A mudança na sistemática de tributação dos fundos de investimento exclusivos (com apenas um ou poucos cotistas), que ficaram conhecidos como dos super ricos, tem grandes possibilidades de ser questionada na Justiça por alcançar também os rendimentos acumulados antes deste ano.
Impacto da Medida Provisória 1.184/23
Publicada no fim de agosto, a Medida Provisória 1.184/23 igualou a sistemática de recolhimento do imposto de renda (IR) sobre os rendimentos obtidos pelos cotistas. Os fundos de investimento fechados, que frequentemente são fundos exclusivos, passarão a ser tributados duas vezes por ano, como já são há muito tempo os fundos voltados para os pequenos investidores. O mecanismo, conhecido como come-cotas, é criticado porque na prática o contribuinte paga um imposto sobre um ganho que ainda não embolsou, o que de fato ocorre apenas quando ele resgata o investimento.
Questionamento Constitucional
No momento, em que ela prevê a tributação do estoque, abre a possibilidade para que o seu texto seja questionado pelos contribuintes. Tal previsão fere de maneira direta o princípio constitucional da irretroatividade, que veda a instituição de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes da vigência da lei que os houver instituído ou majorado, destacando que o come-cotas, por ser um mecanismo que estabelece a tributação de ganhos ainda não realizados, deveria ser aplicado com cautela, sob pena de alterar o conceito de Renda, cujos limites estão estabelecidos na Constituição e cuja legislação complementar traçou suas linhas.
A MP prevê que o estoque poderá ser tributado à alíquota de 15%, e o pagamento do imposto pode ser feito em até 24 vezes a partir de maio de 2024 (acrescidos da taxa Selic). Outra opção que os cotistas têm é de pagar uma alíquota inferior, de 10%, mas em apenas quatro parcelas (entre 29 de dezembro de 2023 e 29 de março de 2024).
A MP 1.184/23 ainda precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional, mas lembro que ela de fato igualou a tributação dos fundos de investimento exclusivos (sejam eles abertos ou fechados) à dos fundos de investimentos comuns (não exclusivos). Os fundos de investimento exclusivos são diferentes dos não exclusivos, em sua essência, pelo fato de que possuem apenas um único cotista ou um grupo restrito deles (permitidos pela regulamentação, como indivíduos da mesma família), o que faz com que sejam voltados principalmente para investidores de alta renda, literalmente os ‘super ricos’.
Desse modo, com a publicação da MP 1.184/23, os fundos exclusivos também passarão a ser tributados pelo regime de come-cotas (tributação antecipada pelo Imposto de Renda que incide duas vezes por ano sobre os rendimentos obtidos com as aplicações).
Exclusões e Novas Regras
Porém os seguintes fundos foram excluídos das novas regras previstas pela MP (ou seja, não ficam a princípio sujeitos ao regime de come-cotas):
- Fundos de Investimento em Participações (FIPs);
- Fundos de Investimento em Ações (FIAs);
- Fundos de Investimento em Índice de Mercado (ETFs) – exceto os ETFs de Renda Fixa;
- Fundos de Investimento Imobiliário (FII);
- Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro);
- Investimentos de residentes ou domiciliados no exterior em fundos de investimento em títulos públicos de que trata o artigo 1º da Lei 11.312/06;
- Investimentos de residentes ou domiciliados no exterior em FIPs e Fundos de Investimento em Empresas Emergentes (FIEE) de que trata o artigo 3º da Lei 11.312/06;
- Fundos de Investimento em Participações em Infraestrutura (FIP-IE) e os Fundos de Investimento em Participação na Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (FIP-PD&I) de que trata a Lei 11.478/07;
- Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC) e demais de que trata a Lei 12.431/11;
- Fundos de investimentos com cotistas exclusivamente residentes ou domiciliados no exterior, nos termos do disposto no art. 97 da Lei 12.973/14; e (xi) os ETFs de Renda Fixa de que trata o artigo 2º da Lei 13.043/14.
Destaca-se aqui que a exclusão para os fundos de itens em participações (1) e os em índice de mercado (3), nesses ocorrerá ocorre apenas quando estiverem enquadrados no conceito de “entidades de investimento”.
Nota-se também que quando trata especificamente ao Fiagro (item “5” acima), a MP 1.184/23 manteve a isenção prevista na Lei nº 11.033/04 para os rendimentos distribuídos pelo Fiagro, mas tornou os requisitos para enquadramento nessa regra mais rigorosos.
Visto que de acordo com o artigo 24 da MP 1.184/23, para que o Fiagro seja isento, é exigido que: além de ser admitido à negociação, seja efetivamente negociado em bolsas de valores ou no mercado de balcão organizado; e detenha, no mínimo, 500 cotistas (e não mais 50, conforme previsto anteriormente).
Inovações e Definições Vagas
Uma inovação ocorreu quando a MP trouxe a figura da “entidade de investimento”, que será determinada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), o que nesse momento ninguém sabe o que é.
Os termos da redação da MP (artigo 7º), entende-se por “entidade de investimento” as instituições que tenham uma estrutura de gestão discricionária/profissional, em que o gestor tenha liberdade e poderes na movimentação dos ativos da carteira (investimento e desinvestimento), com o propósito de obter retorno por meio de apreciação do capital investido, renda ou ambos, de forma a ser regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), um conceito bastante vago e confuso.
Em outras palavras, apenas os fundos em que o gestor tenha o mínimo de autonomia é que manterão o tratamento sem o come-cota. Aqueles fundos que funcionarem como estrutura para manter ativos sob total ingerência do cotista passarão a ficar sujeitos ao come-cotas sobre o resultado gerado na realização de operações.
Os resultados não realizados apurados na contabilidade dos fundos decorrentes da mera flutuação do preço dos ativos (como ajustes a valor justo, valor presente, equivalência patrimonial etc.) a princípio não serão tributados, desde que evidenciados e controlados em subcontas específicas.
E qual alíquota incidirá? Bem a MP prevê que os rendimentos dos fundos exclusivos serão tributados a uma alíquota de 15%. Excepcionalmente, os fundos de curto prazo (de 180 a 360 dias) terão alíquota de 20%. Já o contribuinte que optar por antecipar o recolhimento do imposto para 2023 será tributado a uma alíquota de 10%.
Compensações
A MP também prevê que eventuais perdas apuradas no momento da amortização, resgate ou alienação de cotas poderão ser compensadas, exclusivamente, com ganhos apurados na distribuição de rendimentos, amortização, resgate ou alienação de cotas do mesmo fundo de investimento ou em outro fundo de investimento administrado pela mesma pessoa jurídica (desde que ele esteja sujeito à mesma regra de tributação).
Por último em relação aos fundos cujos regulamentos prevejam diferentes classes de quotas, com direitos e obrigações distintos e patrimônio segregado para cada classe, o artigo. 21 da MP 1.184/23 determina que, observada a regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), cada uma dessas classes de cotas será considerada um fundo de investimento à parte, para fins de aplicação das determinações previstas na MP.
Há espaço para muita discussão.