Empresas, sejam elas públicas ou privadas possuem à sua disposição uma quantidade gigantesca de informações que precisam ser recebidas, filtradas e comunicadas após a sua análise, e esse é o caso preciso das contingências de um negócio. E nesse momento, a mesma transformação digital que acelera as mudanças nas nossas vidas é a que torna o dever de informar as mutações patrimoniais, mais do que uma obrigação, uma necessidade de vida e de morte de um negócio, em uma velocidade ainda maior.
Qualquer que seja o objeto da empresa, a digitalização dos dados e das rotinas alimenta o administrador de forma permanente de informações necessárias para a tomada de decisões, e no caso brasileiro, a maior parte dessas informações fazem parte do dever legal do administrador e de administrados.
Conceitualmente todas as provisões são, por definição, contingentes, porque são incertas quanto ao seu prazo ou valor. Para fins contábeis, entretanto, o termo “contingente” é utilizado para passivos e ativos não reconhecidos nas demonstrações financeiras (off balance). Na prática, é comum a utilização do termo provisão para se referir aos passivos oriundos de disputas administrativas e judiciais. Esses são exemplos clássicos de provisões, uma vez que o valor a ser pago pela entidade poderá variar sensivelmente dependendo da decisão final, tente imaginar uma empresa de callcenter no emprego intensivo de mão de obra que não realiza provisões para o seu passivo trabalhista, qual seria o impacto se ao término de muitos desses processos a empresa não tiver realizado o provisionamento dessa contingência?
Destacamos que os princípios, métodos e critérios contábeis definidos pelo IASB são objeto de pronunciamentos denominados International Accounting Standards (IAS) e International Financial Reporting Standards (IFRS), que, no Brasil, são veiculados por Pronunciamentos do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC).
No Brasil a Lei no 11.638/2007 alterou, sensivelmente, o capítulo da Lei no 6.404, de 15/12/1976, Lei de Sociedades por Ações ( LSA), que tratava das demonstrações financeiras e da escrituração contábil, atualizando o sistema de informação, algo que com o processo de transformação digital permite aos acionistas, colaboradores e autoridades um conjunto maior de informações, com mais transparência e informações para melhor decisão.
O Comitê de Pronunciamentos Contábeis, é uma entidade criada pela Resolução no 1.055, de 7/10/2005 do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), o qual tem por objeto o estudo e a divulgação de princípios, normas e padrões de Contabilidade e de Auditoria. Por força do disposto no art. 10-A da Lei no 6.385, de 7/12/1976, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o Banco Central do Brasil (Bacen) e demais órgãos e agências reguladoras, inclusive o CFC, celebraram convênio com o CPC a fim de participarem da elaboração dos Pronunciamentos sobre princípios, critérios e métodos contábeis, criando assim uma parte significativa do arcabouço legal da contabilidade brasileira.
Desde os bancos universitários, a “provisão” é provavelmente um dos termos mais conhecidos da contabilidade. De tal forma que podemos dizer que provisão é “espécie” do gênero “passivo”, com a particularidade de ser um passivo “de prazo ou de valor incerto” (§ 10,CPC 25). Em um registro histórico, os autores do Manual de Contabilidade Societária advertem que o termo “provisão” sempre foi utilizado na prática por contadores como qualquer obrigação ou redução do valor de um ativo.
Nesse aspecto, os autores compreendem que, à luz do padrão IAS/IFRS e da Deliberação CVM nº 594/2009, há necessidade de as contas retificadoras do ativo serem consideradas como perdas estimadas, sendo o termo provisão utilizado, pois, somente para as obrigações.
Já no âmbito jurídico, como destaca Elidie Palma Bifano, a terminologia surgiu inicialmente em norma tributária, o art. 60 da Lei nº 4.506/1964, que admitia a dedutibilidade fiscal de provisões para créditos de liquidação duvidosa, para responsabilidade pela eventual despedida dos empregados, e para o ajuste do custo de ativos ao valor de mercado, nos casos previstos em lei, limitando assim os casos possíveis.
Após o advento da regulação societária da matéria contábil, o art. 184, I, da Lei nº 6.404/1976, nesse aspecto, que não foi alterado permanecendo em vigor, ao tratar dos critérios de avaliação do passivo, determina que “as obrigações, encargos e riscos, conhecidos ou calculáveis, inclusive imposto de renda a pagar com base no resultado do exercício, serão computados pelo valor atualizado até a data do balanço”. Logo, a provisão é justamente uma espécie de passivo, obrigação presente da qual se espera que resulte na saída de recursos da entidade, o que amplia a sua necessidade para a gestão do negócio, cujo prazo ou valor são incertos.”
De maneira preambular o Pronunciamento CPC00 (R1), que trata da Estrutura Conceitual Básica para Elaboração e Divulgação de Relatório Contábil-Financeiro da Contabilidade, emitido em 15/11/2011, item QC6, diz que a informação contábil-financeira relevante é aquela capaz de fazer diferença nas decisões que possam ser tomadas pelos usuários. Mas não basta que essa informação seja relevante, de acordo com essa manifestação é necessário que ela seja a representação fidedigna de um fato, a nosso ver econômico, pois atinente às atividades sociais de uma entidade. Como preconizado pelo Prefácio do Pronunciamento CP00 (R1), é característica essencial da representação fidedigna a prevalência da essência econômica sobre a forma, inclusive porque tal característica é ínsita ao fato contábil, portanto, objeto de registro na Contabilidade. De tal sorte, essa premissa se impõe que a representação, pela forma legal, que difira da substância econômica não pode resultar em representação fidedigna. De tudo isso resulta que o fato econômico, quando colhido pela Contabilidade, de acordo com seus princípios e regras, torna-se um fato contábil. Esse mesmo fato econômico, quando colhido pelo Direito, torna-se um fato jurídico. Dessa forma, é de se concluir que, embora a Contabilidade afaste a forma legal, o Direito também afasta a forma contábil, conquanto ambas as ciências estejam operando sobre o mesmo fato do mundo.
A forma contábil somente prevalecerá para fins jurídicos se autorizada pelo sistema legal e desde que não ofenda o Sistema Tributário Nacional, dotado de princípios gerais específicos, diferentes daqueles aplicáveis à Contabilidade, onde os princípios precisam estar recepcionados pelo diploma legal.
No caso das provisões o CPC25 determina que a entidade reconheça uma provisão quando for provável que haverá uma saída de recursos da entidade. O referido CPC define, no seu § 23, uma saída de recurso como provável se “o evento for mais provável que sim do que não de ocorrer, isto é, se a probabilidade de que o evento ocorrerá for maior do que a probabilidade de isso não acontecer”.
Sem estimativas, pouco ou quase nada do que se faz na contabilidade atualmente seria possível. O uso de estimativas razoáveis é parte essencial da elaboração de demonstrações financeiras e não reduz sua confiabilidade, como preleciona o mesmo CPC23 no seu § 33. Acontece que, apesar do uso de estimativa ser parte essencial da contabilidade, a subjetividade inerente ao julgamento humano acaba permitindo o chamado gerenciamento de resultados, também conhecido na prática como gerenciamento de lucros, contabilidade criativa, earnings management, cooking the books ou income smoothing, aqui identificado como o segundo paradoxo do provisionamento.”, o que pode e deve ser evitado.
De uma maneira muito resumida, é fundamental destacarmos alguns pontos que foram derrubados pelo novo ordenamento contábil: A absoluta prevalência da Essência Econômica do ato “contabilizável” sobre a sua mera Forma Jurídica: se esta não capturar a essência econômica, que prevaleça no registro contábil esta última sobre a primeira.
O efetivo fundamento econômico para o registro contábil, sendo fundamento econômico caracterizado por todo evento capaz de mudar o patrimônio líquido ou em termos de montante, ou em termos de natureza (ou liquidez), ou ambos. Se um item candidato a ser contabilizado não tem o poder de mudar o tamanho, ou a natureza (liquidez) do Patrimônio Líquido (ou ambos), não merece ser contabilizado.
A norma contábil vigente (no Brasil, o Pronunciamento nº 25 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis, correlacionado à Norma Internacional de Contabilidade IAS 37) define, em resumo, que:
– Passivo: é uma obrigação presente da entidade;
– Provisão: é um passivo de prazo ou valor incertos;
– Passivo contingente: é uma obrigação possível cuja existência será confirmada ou não pela ocorrência de um ou mais eventos futuros incertos não totalmente sob controle da entidade, ou é uma obrigação presente que não é reconhecida ou (i) porque não é provável que haverá uma saída de caixa, ou (ii) porque o valor da obrigação não pode ser mensurado com confiabilidade.
Passivos contingentes, como regra geral, não são reconhecidos contabilmente, porque sua existência somente será confirmada pela ocorrência de eventos futuros hoje incertos. Provisões são reconhecidas contabilmente.
A árvore de decisões sobre reconhecimento, divulgação ou nenhuma atitude a tomar do ponto de vista de relatórios contábeis leva a que: se não há obrigação possível, não há atitude a tomar; se há uma saída provável de recursos, caso essa probabilidade seja: remota: não há atitude a tomar; se a probabilidade de tal saída NÃO É REMOTA, a entidade deve divulgá-la; se há saída provável de recursos e é possível estimá-la com confiança, deve ser feito o reconhecimento contábil.
Essa síntese da árvore de decisões induz a termos que classificar os passivos contingentes entre ocorrências: prováveis (requer reconhecimento contábil), possíveis (requer divulgação) ou remotas (não há atitude contábil a tomar).
Por derradeiro, lembramos que o Ofício-Circular CVM/ SNC/ SEP nº 01, de 11 de janeiro de 2019, aplicável às demonstrações financeiras do exercício social encerrado em 31.12.2018, reforça a orientação do item 129 do Pronunciamento do Comitê de Pronunciamentos Contábeis CPC26: “As divulgações descritas no item 125 devem ser apresentadas de forma a ajudar os usuários das demonstrações contábeis a compreender os julgamentos que a administração fez acerca do futuro e sobre outras principais fontes de incerteza das estimativas” (grifos nossos). Justificada sua preocupação em oferecer aos usuários informações não enviesadas (unbiased), alertando que: As áreas técnicas da CVM entendem que essas divulgações são particularmente relevantes quando envolvem estimativas para valores materiais de provisões em geral (para contingências advindas de feitos administrativos ou judiciais, para desmantelamento de ativos de longa maturação, entre outras) […] chamam a atenção para o exame de fatos e circunstâncias que podem indicar a necessidade de constituição tempestiva de uma provisão, em vez de evidenciação de um passivo contingente em nota explicativa.
Não se defende, em hipótese alguma, a criação de uma “lista de regras” para que tais demandas sejam avaliadas pelos operadores do Direito.
Para que um passivo se qualifique para reconhecimento, é necessário haver não somente uma obrigação presente, mas também a probabilidade de saída de recursos que incorporam benefícios econômicos para liquidar essa obrigação. Para a finalidade deste Pronunciamento Técnico uma saída de recursos ou outro evento é considerado como provável se o evento for mais provável que sim do que não de ocorrer, isto é, se a probabilidade de que o evento ocorrerá for maior do que a probabilidade de isso não acontecer. Quando não for provável que exista uma obrigação presente, a entidade divulga um passivo contingente, a menos que a possibilidade de saída de recursos que incorporam benefícios econômicos seja remota.
As provisões são por certo uma necessidade e uma obrigação legal para um melhor planejamento dos novos ou tradicionais negócios, e a digitalização das informações, disponíveis nos mais diversos ERPs servem como instrumentos fundamentais na tomada precisa de decisão em nossas rotinas.