A transformação digital nos permite trabalharmos em qualquer lugar do mundo, basta um computador e um sinal de internet. E como ficam as obrigações tributárias, para quem resolveu mudar de vida? Quantos são os seus conhecidos e amigos que estão trabalhando fora do Brasil, ou que simplesmente você teria dificuldade de dizer onde trabalham e para onde trabalham, afinal a figura do nômade digital é cada vez mais popular.
O que é domicílio tributário e por que ele importa para quem vive fora do Brasil
O processo de globalização da economia, acelerado pela transformação digital, acentuou ainda mais os deslocamentos das pessoas e das suas atividades econômicas, logo conceitos antes tratados por especialistas como domicílio tributário, passou a ser de fundamental importância, afinal em meio as inúmeras possibilidades e espaços geográficos de trabalho, como identificar se somos contribuintes deste ou daquele país?
No caso brasileiro, o legislador estabeleceu serem contribuintes do IRPF as pessoas físicas residentes ou domiciliadas no Brasil, relativamente aos seus rendimentos e ganhos de capital de fontes situadas no Brasil ou no exterior, ressalvado que a condição de contribuinte independe da capacidade civil, da nacionalidade, do sexo, da idade, do estado civil ou da profissão da pessoa.
O RIR/2018 (Decreto9.580/2018) esclareceu que o conceito de contribuintes alcança as pessoas físicas que perceberem rendimentos de bens de que tenham a posse como se lhes pertencessem.
0 § 2º, do art. 1º, do RIR/2018, traz o conceito da extraterritorialidade, ou seja, a pessoa que aufere renda ou provento no Brasil é contribuinte do IR, independentemente de nacionalidade, e o art. 2ª determina que o imposto será devido à medida que os rendimentos são percebidos, em que pese o fato gerador do IR, no regime de tributação comum ou de ajuste anual aperfeiçoe-se no dia 31/12 do ano-calendário.
Logo no próprio texto normativo define que residente ou não no Brasil, estrangeiro ou brasileiro, auferida renda no País, haverá a incidência do IR.
Desta forma, podemos resumir que:
- a) Residentes ou domiciliados no Brasil, independentemente da nacionalidade, terão incidência do IR sobre o acréscimo patrimonial decorrente de rendimentos auferidos no Brasil ou recebidos no exterior.
- b) Não Residentes, independentemente da nacionalidade, terão incidência do IR sobre o acréscimo patrimonial decorrente de rendimentos auferidos no Brasil.
Regras para caracterização de residência fiscal no Brasil
A legislação infra legal vai além para melhor detalhar esse conceitp, estabelecendo que é residente no Brasil, para fins do IR, a pessoa física:
- Que resida no Brasil em caráter permanente;
- Que se ausente para prestar serviços como assalariada a autarquias ou repartições do Governo brasileiro situadas no exterior;
- Que ingresse no Brasil:
- a) com visto permanente, na data da chegada;
- b) com visto temporário:
- Para trabalhar com vínculo empregatício ou atuar como médico bolsista no âmbito do Programa Mais Médicos de que trata a Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013, na data da chegada;
- Na data em que complete 184 dias, consecutivos ou não, de permanência no Brasil, dentro de um período de até doze meses;
- Na data da obtenção de visto permanente ou de vínculo empregatício, se ocorrida antes de completar 184 dias, consecutivos ou não, de permanência no Brasil, dentro de um período de até doze meses;
- Brasileira que adquiriu a condição de não residente no Brasil e retorne ao País com ânimo definitivo, na data da chegada, ainda que tenha ingressado para prestar serviços como funcionária de órgão de governo estrangeiro situado no País;
- Que se ausente do Brasil em caráter temporário, ou se retire em caráter permanente do território nacional sem apresentar a Comunicação de Saída Definitiva do País, durante os primeiros doze meses consecutivos de ausência.
É a cada dia mais comum brasileiros que se ausentam do Brasil, indo para outros países sem fazer a declaração de saída definitiva,, lembramos que o contribuinte que se retire do Brasil em caráter temporário ou, se em caráter permanente, sem a apresentação da Comunicação de Saída Definitiva do País, será considerada como residente no Brasil nos primeiros 12 (doze) meses consecutivos de ausência, ou seja seus recebimentos nos próximos 12 meses após a saída do Brasil estarão sendo alcançados pelo IRPF do Brasil, o que não o livra do Imposto do país destino e que pode implicar em considerável prejuízo para esse contribuinte desatento.
Logo a pessoa física residente no Brasil que se retirar em caráter permanente do território nacional no curso do ano-calendário deverá apresentar a Comunicação de Saída Definitiva do País, a partir da data de saída e até o último dia do mês de fevereiro do ano-calendário subsequente, além de apresentar a Declaração de Saída Definitiva do País, relativa ao período em que tenha permanecido na condição de residente no Brasil no ano-calendário da saída, até o último dia útil do mês de abril do ano-calendário subsequente ao da saída definitiva, bem como as declarações correspondentes a anos-calendário anteriores, se obrigatórias e ainda não entregues.
Devendo ainda recolher em quota única, até a data prevista para a apresentação das declarações, o imposto nelas apurado e os demais créditos tributários ainda não quitados.
Assim é que a pessoa física residente no Brasil, que se retirar em caráter permanente do território nacional no curso do ano-calendário, deverá enviar a Comunicação de Saída Definitiva do País, sem prejuízo de enviar:
- a) A Declaração de Saida Definitiva do País;
- b) As Declarações de Ajuste Anuais de anos anteriores;
- c) O pagamento dos impostos apurados, em havendo;
Finda a permanência no País, as pessoas físicas não residentes serão tributadas apenas pelos rendimentos que aqui tenham sido produzidos.
Desta forma, não haverá incidência do IRPF sobre os rendimentos produzidos no exterior, ou seja, decorrentes de fontes localizadas fora do território nacional, ainda que venham a ser transferidos para o Brasil, por pessoa física brasileira não residente no País que retorne ao território nacional com ânimo definitivo, readquirindo a condição de residente, sem prejuízo de que os bens e direitos sejam informados na Ficha “Bens e Direitos” da Declaração de Ajuste Anual (DAA), conforme Solução de Consulta Cosit 63, de 06/04/2021.
Destacando que existe um tratamento excepcional no caso de pessoas físicas de carreiras diplomáticas e organismos estrangeiros, que são consideradas não residentes no Brasil, relativamente aos acréscimos patrimoniais percebidos no país.
E quanto aos nômades digitais que resolvem ficar no Brasil
Bem, as pessoas físicas que ingressarem no País com autorização de permanência, deferida por prazo indeterminado, serão consideradas residentes para fins de tributação pelo IRPF, na data da sua chegada.
Esse ponto é regulado pela IN RFB 1.059/2010, que trata do imigrante com permanência definitiva como sendo aquele que obtém autorização de residência deferida por prazo indeterminado.
No momento a autorização deferida por prazo indeterminado para os estrangeiros que venham residir de forma permanente no Brasil substituiu o visto permanente, de forma a comprovar o caráter definitivo da permanência do estrangeiro no Brasil.
De acordo com o art. 19 da IN RFB 208/2002, a pessoa física que ingressar no Brasil em caráter permanente ou, na atual expressão, com “autorização de residência deferida por prazo indeterminado” terá seus rendimentos recebidos de fontes situadas no Brasil ou no exterior, tributados de acordo com as normas aplicáveis aos residentes no Brasil, a partir da data da chegada, consignada no passaporte pela autoridade local competente, ou seja, as pessoas físicas com autorização de permanência deferida por residência para o território nacional e, nesse mesmo ano, tiverem rendimentos tributáveis, sujeitam-se à incidência do IR, como residentes ou domiciliadas no País em relação aos fatos geradores ocorridos a partir da data de sua chegada.
Sendo que as pessoas físicas que, no curso de ano-calendário, transferirem residência para o Brasil e, nesse mesmo ano-calendário, deixarem o território nacional, em caráter definitivo, sofrerão incidência do IR, submetidas às regras da saída definitiva.
Já as pessoas físicas que ingressarem no País com visto temporário e aqui permanecerem por mais de 183 dias, consecutivos ou não, dentro do período de 12 meses, serão considerados residentes no Brasil, para finalidade de tributação do IRPF.
Logo a pessoa física passará à condição de residente na data em que completar 184 dias, sejam eles consecutivos ou não, de permanência no Brasil, dentro do período de até doze meses.
No caso em que a pessoa física não venha a completar 184 dias dentro de um período de doze meses, consecutivos ou não, de permanência no Brasil, novo período de até doze meses será contado da data do ingresso seguinte àquele em que se iniciou a contagem anterior.
Sendo que que a condição de residente implica que a pessoa física terá o acréscimo patrimonial tributado pelo IR, tanto recebido de fontes situadas no Brasil quanto no exterior. Soma-se o fato de que a pessoa física que passar à condição de residente no Brasil estará sujeita às normas vigentes na legislação tributária aplicáveis aos demais residentes no Brasil, a partir da data que passar a ser residente, restando obrigado, por exemplo, a entregar da Declaração de Ajuste Anual.
Também é preciso ressaltar que a pessoa física que tenha ingressado no Brasil com visto temporário passará à condição de residente para fins tributários na data da autorização de permanência deferida por prazo indeterminado ou do estabelecimento de vínculo empregatício (se antes de 184 dias, consecutivos ou não, de permanência no Brasil, dentro de um período de até doze meses). A tributação como residente dá-se em relação aos fatos geradores ocorridos partir do dia subsequente àquele em que se completar o período de permanência.
Doutro lado, a pessoa física residente no Brasil que deixar o País em caráter permanente no curso do ano-calendário deverá apresentar, além da Declaração de Ajuste Anual (DAA), a Declaração de Saída Definitiva do Pais relativa ao período em que tenha permanecido na condição de residente no Brasil no ano-calendário da saída, até o último dia útil do mês de abril do ano-calendário subsequente ao da saída definitiva, conforme art. 14 do RIR/2018.
No caso do período for inferior, e a pessoa não tenha adquirido a condição de residente, seus rendimentos recebidos no Brasil serão tributados de forma definitiva (ganhos de capital) ou exclusiva na fonte (demais rendimentos)”.
Uma vez adquirida a condição de residente no País, a partir dessa data, os rendimentos recebidos de fontes situadas no território nacional ou no exterior serão tributados de acordo com as normas aplicáveis aos residentes no Brasil, ou seja a obrigação cessa com a declaração de saída definitiva, seja ele brasileiro ou não.
Por fim a tributação exclusiva na fonte consiste na incidência do IR sobre os rendimentos auferidos, não sujeitos ao ajuste anual, retidos e recolhidos pela fonte pagadora, e ela difere da tributação definitiva na medida em que o recolhimento dá-se pela fonte pagadora e não pelo contribuinte.
Neste regime de tributação, à fonte pagadora competirá apurar o imposto, efetuar a retenção e providenciar o posterior recolhimentos aos cofres públicos.
De forma resumida , estão submetidos à tributação exclusiva na fonte, os seguintes rendimentos: 13º salário, Rendimentos de aplicação financeira, JCP, PLR, Lucros decorrentes de prêmios e sorteios,
Conclusão: planejamento tributário e segurança jurídica para nômades digitais
Tem evidentemente outros aspectos para explorarmos sobre esse tema, mas entendemos ser este um artigo para um ponto de partida.
Por derradeiro, destacamos que a comunicação de saída definitiva do Brasil não, dispensa o contribuinte da obrigação de entregar as Declarações de Imposto de Renda de anos anteriores, bem como eventuais impostos apurados com o respectivo pagamento.
A transnacionalidade da renda é um traço presente no processo de globalização, e logo as obrigações acessórias e o entendimento da condição de contribuinte, seja ele residente ou não, são fundamentai para se realizar trabalhos com segurança jurídica, evitando surpresas desagradáveis como eventuais lançamentos fiscais com a incidência indesejada de juros e multas.
Artigo originalmente publicado no site Jusbrasil