Criptomoedas como estratégia de negócio

by CM Consultores | 04.06.2025 | Digital

Escute também o nosso podcast, gerado por IA, comentando o assunto:

 

 

A popularização dos criptoativos vem ampliando o seu uso, e obrigando a aceleração de um conjunto regulatório que proteja a todos os envolvidos, sejam eles investidores ou investidos.

Muitas empresas estão iniciando um processo de integralização do seu capital com criptoativos, seja para o seu caixa ou para o seu capital social.
 

O caso da Méliuz e sua adoção do Bitcoin

O primeiro caso do tipo de uma empresa brasileira listada na bolsa ocorreu agora no mês de maio, com a Méliuz S.A., empresa criada em 2011, e que vem construindo uma história de inovações e conquistas no mercado financeiro brasileiro. Primeiro com o seu cartão cash back e depois em 2020 quando foi a primeira startup brasileira a abrir seu capital na B3, agora resolveu após aprovação da assembleia de acionistas, alterar o seu objeto social, para contemplar, além das atividades atualmente exercidas, a possibilidade de realização de investimentos em Bitcoin como parte de sua estratégia de negócios.

Dessa forma a Méliuz se tornou a primeira Bitcoin Treasury Company do Brasil e da América Latina. Em seu primeiro movimento como uma Bitcoin Treasury Company, a empresa adquiriu 274,52 bitcoin por aproximadamente US$ 28,4 milhões a um preço médio de US$ 103.604,07 por bitcoin.

Esses valores se somam a uma compra anteriormente realizada, que faz com que a empresa já tenha em posse 320,25 bitcoin, adquiridos a um preço médio de US$ 101.703,80 por bitcoin. Uma Bitcoin Treasury Company tem como missão principal o acúmulo de Bitcoin de forma agregar valor aos acionistas, utilizando da sua geração de caixa e estruturas corporativas e de mercado de capitais para ampliar a exposição ao ativo ao longo do tempo. Mais do que apenas alocar parte do caixa em Bitcoin como proteção contra a inflação ou desvalorização cambial, a Companhia reposiciona seu propósito para atuar maximizando a quantidade de Bitcoin por ação, o que pode ampliar os seus horizontes, como dar recompensam em criptomoedas?

O objetivo da empresa, com a aprovação em assembleia, será adotar a criptomoeda como principal ativo estratégico da tesouraria da companhia. Ao mesmo tempo a companhia também visa “fomentar a geração incremental de bitcoin para os seus acionistas, seja por meio da geração de caixa operacional ou por eventuais operações financeiras e iniciativas estratégicas”, afirmou no documento, aprovado em assembleia.

Esse é um exemplo de uso dos ativos virtuais, em economias a cada dia mais digitalizadas. Destacamos que ativo virtual pode ter elementos e usos distintos, e, por conseguinte, pertencer às mais variadas categorias jurídicas.

Sabidamente, não existe unanimidade no que diz respeito ao conceito de criptomoeda, menos ainda em relação a sua natureza jurídica. Apesar disso, é possível delimitar alguns de seus elementos fundamentais e discutir como algumas jurisdições têm tentado definir uma natureza jurídica por meio de leis e regulamentações recentes.

Uma definição simples que pode ser bastante útil é a seguinte: “Criptomoedas são moedas virtuais ou digitais que usam criptografia para segurança. Podem ser digitalmente trocadas e funcionam como meio de troca, unidade de conta ou reserva de valor.
 

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O cenário regulatório global

Mas antes de aprofundarmos a discussão conceitual, é interessante notar, a título de exemplo da falta de entendimento único em relação a este tema, que mesmo a União Europeia não conseguiu ainda que os Estados-membros adotem tratamentos equivalentes entre si.

No âmbito da proposta 2020/0265 de emenda à Diretiva 2019/1937, cujo objetivo é regular o mercado de ativos virtuais (MiCA), o memorando explicativo da Comissão Europeia destaca uma declaração da presidente Ursula von der Leyen”ressaltando a necessidade de um approach comum entre os Estados-membros em relação às criptomoedas”.

Nessa mesma proposta legislativa algumas definições são sugeridas, por exemplo, ativos virtuais seriam definidos jurisdições com vedação absoluta e quarenta e duas com vedação implícita às criptomoedas.

Nesse mesmo estudo, foram consideradas exemplos de vedações implícitas como a proibição de bancos e outras instituições financeiras de negociarem criptomoedas ou oferecer serviços para indivíduos ou negócios com base em criptomoedas, ou, ainda, o banimento de exchanges, claro que são exemplos de punições para instituições e operações que não estejam adequadas a regulamentação. O estudo também identificou que a aplicação de leis tributárias, de PLD/FT, ou ambas para criptomoedas aumentaram exponencialmente.

Em 2018, apenas trinta e três das jurisdições analisadas regulavam as criptomoedas nessas áreas, com somente cinco jurisdições aplicando tanto regras tributárias quanto leis de PLD/FTN, já em novembro de 2021, identificou-se que cento e três jurisdições aplicavam este tipo de lei às criptomoedas, com a maior parte deste grupo aplicando tanto regras tributárias, quanto de PLD/FT. , são números que por si só indicam a evolução do seu uso.
 

Implicações legais e contábeis no Brasil

No Brasil, a IN/RFB nº 1.888/2019 instituiu e disciplinou a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com”criptoativos”a Secretaria Especial da Receita Federal, nos termos da instrução normativa, considera criptoativo como uma representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com o uso de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos.

A IN/RFB nº 1.888/2019 também registra as funções dos ativos virtuais, as quais podem ser:

(i) de investimento;

(ii) de transferência de valores;

(iii) acesso a serviços.

Ainda tratando do que foi aprovado na assembleia geral dos acionistas da Méliuz, cabe aos sócios que discordarem do plano, a possibilidade de devolver as ações da empresa com direito a um reembolso de R$ 3,928 por ação, considerando o valor do papel em 31 de dezembro de 2024. Para isso, é necessário manter as ações da companhia entre o período de 14 de abril até a data da solicitação.

A aprovação, fez da Méliuz a primeira empresa de capital aberto no Brasil a adotar o Bitcoin Standard, inspirada pelos cases de sucesso da Strategy e da Metaplanet. A Strategy, antiga MicroStrategy, fez nos últimos anos, sucessivos anúncios de compras de bitcoin, com reservas que já totalizam 531.644 unidades da criptomoeda.

De acordo com informações divulgadas pela Strategy, as reservas da companhia são avaliadas atualmente em US$ 45 bilhões. O preço médio por unidade de bitcoin adquirida é de US$ 67.556, com um custo total para a empresa estimado em US$ 35,9 bilhões, sendo que os dados indicam que, no momento, a empresa conta com um lucro não realizado de pouco menos de US$ 10 bilhões.

A empresa adotou uma estratégia para compras de bitcoin que combina ofertas secundárias de ações e emissões de títulos de dívida privada.

O Direito brasileiro trata a capitalização, como o conjunto de técnicas de constituição do capital social, em vista de suas funções essenciais de produtividade (ad intra) e de garantia (ad extra), é ato indispensável a fornecer condições ao empresário para que organize e exerça a empresa.

O capital social’, em sua acepção real, como porção mínima do patrimônio. é acervo de elementos produtivos indispensáveis à atividade empresarial.

Os sócios subscrevem e integralizam (com dinheiro ou bens’, e apenas excepcionalmente com serviços) quotas ou ações representativas do capital, sendo que as participações sociais lhes conferem direitos de crédito eventualmente satisfeitos quando a sociedade, no exercício da empresa, gerar lucros líquidos distribuíveis ou, na hipótese de dissolução da sociedade (e, portanto, cessação da empresa), quando lhe forem devidas as posições ativas remanescentes da extinção, total ou parcial, do patrimônio social, cuja existência se constatou na apuração de haveres.

As posições ativas, entradas, que primeiramente ingressam no capital social, bem como aquelas que irão compô-lo, em futuro reforço decorrente de seu aumento, quando isso se mostre necessário, poderão servir a adquirir outros elementos de produção que se mostrem úteis ao exercício da empresa definida no objeto social’, à exemplo da contratação de mão de obra, da compra de máquinas e de ferramentas etc.

O empresário (seja o empresário individual, seja a empresa coletiva societária e não societária”‘) deve se apropriar dessas entradas constitutivas do fundo dedicado à empresa para, na condição de protagonista da atividade empresarial, ter acesso autorizado, por meio de consequentes trocas econômicas lícitas, a outros elementos de produção que serão igualmente afetados por uma função empresarial, o que se estende com a utilização dos ativos virtuais, como as criptomoedas.

É no seu patrimônio que reside a possibilidade de realização do seu objeto, pois o cumprimento desses deveres de prestar, relativamente à sociedade, só é possível se existirem posições ativas insertas em seu patrimônio, e logo no processo de digitalização da economia essas criptomoedas ganham relevância.

O capital constituído exerce a essencial função de prestar, aos credores da sociedade, garantias mínimas da satisfação de seus créditos. A importância dessas duas funções foi determinante para o aparecimento de todo um regramento protetivo do capital, a zelar por sua adequada constituição, emprego e mantença, mas também a impor consequências jurídicas aos casos de subcapitalização e de saques indevidos contra a conta de capital, o que implica em maior acuidade quando do uso de criptomoedas na constituição desse capital.
 

Quais empresas podem adotar esse modelo?

As manifestações sobre o permissivo legal quanto ao uso das criptomoedas, nos levam a concluir que o passo dado pela Méliuz dede ser acompanhado por diversas outras empresas, como na resposta do

“OFÍCIO CIRCULAR SEI nº 4081/2020/ME A TODAS AS JUNTAS COMERCIAIS

Brasília, 1º de dezembro de 2020. Assunto: Consulta acerca da integralização de capital com criptomoedas ou moedas digitais.

Processo nº 19974.101874/2020 56.

Senhores Presidentes,

Recebemos consulta neste Departamento, formalizada pela Junta Comercial do Estado de São Paulo, acerca da possibilidade de utilização de criptomoedas (ou moedas digitais/virtuais) como meio de pagamento de operações societárias e integralização de capital de sociedades. Na referida consulta foram feitos os seguintes questionamentos:

I – Qual seria a natureza jurídica das criptomoedas: (i) uma moeda, (i) um valor mobiliário, (i) um bem incorpóreo, este com ou sem valor econômico?

II – Haveria vedação legal para integralização de capital com criptomoedas?

III – Quais as formalidades que as Juntas Comerciais devem observar, para fins de operacionalizar o registro dos atos societários que eventualmente envolverem o uso de criptomoedas?

Por entendermos que a consulta em questão diz respeito a assunto que pode ser do interesse de todas as Juntas Comerciais do País, responderemos os seus questionamentos por meio deste ofício circular.

Quanto ao primeiro questionamento, o Banco Central do Brasil e a Comissão de Valores Mobiliários já se manifestaram a respeito do assunto: o BCB emitiu comunicados afirmando que”as chamadas moedas virtuais não se confundem com a ‘moeda eletrônica’ de que tratam a Lei 12.865/2013, e sua regulamentação infralegal”1; e a CVM emitiu notas afirmando que”tais ativos virtuais, a depender do contexto econômico de sua emissão e dos direitos conferidos aos investidores, podem representar valores mobiliários, nos termos do art. 2º da Lei 6.385/1976″2.

A Receita Federal do Brasil, por sua vez, considera as criptomoedas como ativo Ofício Circular 4081 (11782043) SEI 19974.101874/2020-56 / pg. 1 bens”financeiro, exigindo a indicação delas na declaração anual do imposto de renda, no campo”outros da ficha de bens e direitos. MOEDA VIRTUAL COMO DECLARAR:

As moedas virtuais devem ser declaradas? Sim. As moedas virtuais (bitcoins, por exemplo), muito embora não sejam consideradas como moeda nos termos do marco regulatório atual, devem ser declaradas na Ficha Bens e Direitos como “outros bens”, uma vez que podem ser equiparadas a um ativo financeiro. Elas devem ser declaradas pelo valor de aquisição.

Ainda sobre o tratamento dado pela RFB às criptomoedas, a Instrução Normativa RFB nº 1888, de 3 de maio de 2019 conceituou criptoativo como”a representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal”.

Assim, é inegável que a própria RFB considera as criptomoedas como bens incorpóreos que possuem avaliação pecuniária, são negociáveis e podem ser usados de diversas formas (investimento, compra de produtos, acesso a serviços etc.).

No tocante ao segundo questionamento, não há nenhuma vedação legal expressa para a integralização de capital com criptomoedas, valendo lembrar, nesse particular, o que dizem o art. 997, inciso III do Código Civil e o art. 7º da Lei 6.404/1976: Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará: III – o capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária; Art. 7º O capital social poderá ser formado com contribuições em dinheiro ou em qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro.

É importante destacar que a ausência de vedação legal expressa faz incidirem ao deslinde da questão o art. 3º, inciso V e o art. 4º, inciso VII da Lei da Liberdade da Econômica (Lei 13.874/2019): Art. 3º São direitos de toda pessoa, natural ou jurídica, essenciais para o desenvolvimento e o crescimento econômicos do País, observado o disposto no parágrafo único do art. 170 da Constituição Federal: V – gozar de presunção de boa-fé nos atos praticados no exercício da atividade econômica, para os quais as dúvidas de interpretação do direito civil, empresarial, econômico e urbanístico serão resolvidas de forma a preservar a autonomia privada, exceto se houver expressa disposição legal em contrário. Art. 4º É dever da administração pública e das demais entidades que se vinculam a esta Lei, no exercício de regulamentação de norma pública pertencente à legislação sobre a qual esta Lei versa, exceto se em estrito cumprimento a previsão explícita em lei, evitar o abuso do poder regulatório de maneira a, indevidamente: VII – introduzir limites à livre formação de sociedades empresariais ou de atividades Ofício Circular 4081 (11782043) SEI 19974.101874/2020-56 /

Por fim, no que se refere ao terceiro questionamento, não existem formalidades especiais que devam ser observadas pelas Juntas Comerciais”para fins de operacionalizar o registro dos atos societários que eventualmente envolverem o uso de criptomoedas”, devendo ser respeitadas as mesmas regras aplicáveis à integralização de capital com bens móveis, conforme o respectivo tipo societário, limitando-se às Juntas Comerciais ao”exame do cumprimento das formalidades legais”do ato objeto de arquivamento (art. 40 da Lei 8.934/1994).

Sendo essas as respostas deste Departamento aos questionamentos feitos, colocamo-nos à disposição para quaisquer esclarecimentos que se fizerem necessários. Atenciosamente, AMANDA MESQUITA SOUTO Coordenadora Geral ANDRÉ LUIZ SANTA CRUZ RAMOS”

Como visto a possibilidade tanto de reserva quanto de integralização do capital social por meio de criptomoedas que tenham cotação, é cabível e deve ser ampliada para toda e qualquer sociedade, como proteção aos sócios e acionistas.

Os criptoativos, vieram para ficar, e o que melhor podemos fazer é ter claro que o seu papel só deve aumentar e que é fundamental termos u arcabouço legal que acompanhe a sua evolução sem implicar em travas ao seu desenvolvimento, além daquelas que se preocupam com a poupança popular e dos direitos e deveres de investidores e investidos. 

 

Artigo originalmente publicado no JusBrasil 

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