A transformação digital acelerou a necessidade da implantação de um planejamento sucessório nas empresas, diante do desafio das profundas mudanças na sociedade e na economia. Negá-lo pode ser a morte. Sua empresa está preparada? O planejamento sucessório do seu negócio contempla a transformação digital em que ele está mergulhado? Seus herdeiros estão preparados para manter e atualizar os seus negócios de acordo com as mudanças aceleradas da economia?
A transformação digital, independentemente do nicho de mercado, apresenta dois grandes desafios. O primeiro deles é cultural na medida que exige com que o corpo de colaboradores entenda o que pretende e para onde pode ir com a transformação digital, o segundo uma vez conquistado os corações e mentes da equipe é de ordem ética, afinal a ampliação do processo de transformação digital implica em uma quantidade gigantesca de novos dados, fundamentais para o processo de tomada de decisão na transformação digital, mas ao mesmo tempo limitado pelo nosso Marco Civil da Internet e pela Lei Geral de Proteção de Dados das Pessoas. Estabelecido esse corte, entre dados, gestão de dados, e de pessoas, empresas e empresários, partem para uma pergunta dura de ser feita, e que não deve ser evitada: O corpo diretivo e societário da empresa está pronto para realizar as mudanças necessárias para acompanhar a violenta e veloz transformação digital do seu negócio?
Quem deve ser o responsável na sociedade para dar prosseguimento ao processo, livre de vícios e sem a busca de respostas fáceis e rápidas, tão comuns em tempos em que tudo parece ser possível de ser encontrado nas ferramentas de busca como o Google?
Lembro que empresas são casamentos perfeitos até o dia que deixam de funcionar, seja por não se atualizarem, ou por deixarem de escutar seus consumidores e colaboradores, e as coincidências não param por aí.
Na dinâmica do capitalismo, a competição e a transformação são a regra, veja qualquer gráfico que representa anualmente as maiores empresas do mundo nos últimos 50 anos e identifique as mudanças de valores na modificação da economia, que vai dos gigantes do aço aos gigantes de tecnologia, a mudança valorativa sempre vai encontrar um meio termo entre o caixa gerado e o fluxo de caixa projetado para exercícios futuros.
E isso vale para qualquer ramo, mesmo para as empresas de tecnologia, que não ficam de fora dessa regra, é só lembrar de muitas das que já estiveram entre as 20 empresas mais valiosas do mundo, e que já desapareceram ou que nem de longe podem refletir seu apogeu, como é o caso da Aol, HP ou Kodak, mesmo elas jamais podem ignorar a rapidez com que o capitalismo pode dobrar os gigantes.
Os inúmeros analistas que acompanham as big techs (Alphabet, Amazon e Microsoft. Apple e Facebook), vivem demonstrando o descolamento do valor dessas empresas do teto da economia no mundo.
Sendo plataformas de Internet, conceito distinto das primeiras grandes empresas de tecnologia, elas capturam clientes e reforçam seu controle sobre a economia em uma velocidade sem precedentes em nossa história.
Lembro que há uma década Amazon e Facebook não estavam entre as 100 maiores empresas do mundo por valor de mercado, contudo a sua ascensão meteórica também não é tão extraordinária. Em média, as empresas que chegam ao top 10 sobem cerca de 75 posições em uma década para chegar lá, e depois desaparecem.
No geral, grandes empresas se tornam difíceis de gerenciar, e por isso, acabam perdendo identidade com o público, e por decorrência perdem a preferência, e assim dão terreno a rivais mais ágeis, isso sem falar nas empresas que não se preparam para a sucessão do seu acionista criador. Logo, tente imaginar o tamanho do desafio de uma empresa média ou pequena, onde o acionista majoritário tem a fé inabalável que o seu filho por dominar o celular e as suas redes sociais é a melhor pessoa para executar o plano de transformação digital da empresa? Pense no trabalho de um consultor para explicar que isso não é tão simples assim?
No momento em que todas as empresas vivem, aumenta a responsabilidade do seu líder no papel de melhor desenhar a sucessão do negócio, pois os que estão por vir precisarão construir um negócio novo em uma velocidade de aprendizado muito maior do que os que criaram a empresa. Se antes o concorrente era a loja ao lado ou a fábrica de outro Estado, hoje essa possibilidade não está mais restrita a uma localização geográfica, ou a empresas do mesmo ramo, afinal o concorrente da fábrica de móveis escolares não é outra fábrica mas o ensino à distância, o concorrente da imobiliária não é outra imobiliária mas um site, o concorrente do hotel, não é mais um outro hotel e sim o Airbnb que aproxima proprietários de imóveis que possuam um cômodo ou o imóvel inteiro para alugar por apenas alguns dias. A disputa é e sempre será pelo bolso do cliente, o mesmo bolso com uma pequena variação de disponibilidade de capital e um número de ofertas de serviços e mercadorias sem fim para esse mesmo dinheiro.
Seu negócio está sendo reinventado por tecnologias que simplesmente não existiam antes. A inteligência artificial será incorporada, e é provável que até mesmo líderes com o mesmo perfil de Jobs, Gates ou Jeff Bezzos não tenham o mesmo espaço em um universo de produção colaborativa, porém a necessidade de se planejar o futuro do seu negócio vai permanecer.
A dinâmica do nosso sistema econômico, obriga a reinvenção permanente, onde “tudo que é sólido se desmancha no ar” e novas formas de negócio, produtos e serviços nascem permanentemente.
As redes sociais deram um peso às reputações de serviços, produtos e aos seus líderes, e isso é um novo desafio no plano sucessório das empresas. Porém em todos os processos de transformação digital, que caminham em paralelo ao planejamento sucessório das empresas, invariavelmente o líder é desafiado a identificar seus limites e o seu novo papel nesse processo, pois a escolha na condução dessa nova etapa, pela pessoa errada, implica em elevado custo e principalmente em tempo, vital para o concorrido mundo dos negócios. Logo os valores éticos devem permear, na base da identificação dos nossos limites, e das mudanças que precisam ser feitas.
Nossos negócios, estão em suas rotinas, mergulhados em um universo comunicacional, que hoje é dominado por palavras como: Inteligência artificial, 5G, aprendizado de máquina, economia da atenção, economia colaborativa, redes sociais, fake news, economia da desatenção, robôs colaborativos, transformação digital e etc., nos perguntamos onde sobra espaço para ética?
É evidente que ela deve fazer parte do alicerce na edificação dessa nova sociedade. Uma construção relacional no universo dos negócios ou no seio das nossas famílias é por certo o prenúncio de que algo não está bem, e por certo não vai funcionar sem o prejuízo de uma das partes.
O processo sucessório aliado a transformação digital de um negócio, ganha importância pela certeza da finitude dos sócios e da empresa quando ambos são deixados em segundo plano.
O fato é que por mais que o homem tente driblar a morte, ela é de longe a nossa grande certeza, e logo o Direito e suas positivações, tratou de prever a herança em plena Constituição, onde encontramos no Ar. 5º, XXX “ é garantido o direito de herança, logo assim a herança é um direito fundamental.
Logo sem o ajuste natural da empresa, a certeza da herança vem carregada de muitas dúvidas, pois seguindo apenas o que trata a legislação a empresa estará em boas mãos? A empresa possui um acordo de acionistas que contempla a sucessão do sócio ou acionista que venha a falecer?
De que maneira um litígio entre os sócios pode atrapalhar ainda mais esse processo de transformação digital?
Por mais que a vida seja finita, ao menos no plano material, encontramos diversas pessoas que pouco ou nada trabalham com essa certeza. Por isso a convicção da sua finitude produz inúmeras consequências, materiais e patrimoniais pelo seu não planejamento.
Logo, na digitalização do seu negócio, e das suas relações, os dados tornaram-se o eixo que articula a tomada de decisão nas organizações, sendo um ativo estratégico, no planejamento do negócio e da sua sucessão.
Ao mesmo tempo, acionistas, colaboradores e herdeiros devem ter nos sistemas de gestão informações suficientes para tomadas de decisão do hoje e para o amanhã.
Logo essa transformação passa por entender que o principal ativo da transformação são as pessoas, pois são elas os agentes das mudanças e não um novo software, por isso os valores morais e éticos dessas pessoas estarão refletidos desde a concepção do desenho de um software até seu uso e controle, e também refletidos nos documentos legais que instrumentalizam a empresa na gestão do seu compliance.
Se uma empresa quer realizar um processo de transformação digital, o que ela tem que fazer não é simplesmente adquirir e implementar tecnologia, mas, acima de tudo, fazer com que as pessoas que trabalham com ela se tornem apóstolos autênticos do digital: que elas entendam perfeitamente, que elas identifiquem a necessidade de mudar, e que acreditam nela, e isso inclui sócios e seus eventuais herdeiros.
Isso invariavelmente implica partir de situações pessoais muito diferentes: de verdadeiros entusiastas e convertidos, a céticos, temerosos ou descrentes. Os procedimentos para trabalhar com cada um desses perfis são e devem ser completamente diferentes, mas as empresas, em muitos casos, tendem a minimizar a importância de ferramentas como a formação, e projetá-las de forma homogênea, como cursos que geralmente têm baixa prioridade e que são praticamente os mesmos para todos os colaboradores, independentemente de suas características. O papel da liderança nesta questão é fundamental: não se trata apenas de definir uma direção, mas de acompanhar, de compreender a resistência e de tratá-la como prioridade, como algo a ser superado de alguma forma. Identifique essas resistências, isole atitudes refratárias e ponha um fim a elas.
Em geral, se mostrarmos a uma pessoa que a digitalização não é uma alternativa, mas uma obrigação e, acima de tudo, se demonstrarmos adequadamente o valor que ela traz, essa pessoa optará pela transformação. Somente nos casos em que tal transformação é claramente impossível, quando encontramos pessoas que especificamente se recusam a mudar ou manter uma atitude permanentemente hostil à mudança, será hora de optar por uma ação que considere a substituição dessa pessoa.
Em muitos casos, essas resistências à digitalização são disfarçadas, pois não há nada especialmente na era das pessoas que as torna refratárias à tecnologia ou dinossauros, você só tem que ser capaz de mostrar-lhes a proposta de valor que existe por trás dela. Trabalhar com as pessoas, com seus medos, seus problemas e suas necessidades de treinamento, para que elas se sintam seguras e adotem tecnologias que se tornaram, em muitos casos, uma necessidade para as empresas. De igual forma a resistência é bastante natural no processo de planejamento sucessório, onde um possível desgaste ao tratar do assunto, quando não priorizado, mais tarde pode se converter em litígio comprometendo o negócio.
O Direito possui sim instrumentos legais para esse balizamento, mas é o valor cultural defendido pelo gestor que define os parâmetros de rotinas e da sua sucessão, na defesa de uma postura ética relacional.
Regras e procedimentos são definidos para todos, para algum tipo de senso de justiça, de isonomia, delimitando sistemas que, devido à enorme variabilidade das pessoas, não costumam funcionar para todos, mas gerar atitudes incorretas. Mas se as pessoas, trabalhadores, se consideram um recurso, o que geralmente é feito como tal, é simplesmente tentar impor certas políticas a elas ou esperar certos comportamentos.
A transformação digital das empresas não existe. Se queremos transformar uma empresa, vamos transformar as pessoas que trabalham nela, e priorizar as medidas voltadas para a realização dessa transformação. Não há outra maneira de fazer isso.
Mais do que nunca o planejamento sucessório, um rito obrigatório de um negócio está sendo acelerado pela transformação digital que bate na porta das nossas casas e empresas, desprezá-los pode representar a morte do negócio.