Petrobras, Obrigatoriedade na Distribuição de Dividendos e Direitos dos Minoritários

por CM Consultores | 03.04.2024 | Tributário

Nas últimas semanas o noticiário deu destaque a questão da distribuição de dividendos da Petrobras, pelo fato da empresa não ter proposto o pagamento de dividendo extra sobre o exercício de 2023, conforme comunicado enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 22/3/2024.

Longe das questões da alçada do conselho da empresa, abordo aqui os aspectos legais da distribuição obrigatória e da intervenção dos minoritários.

Como ponto de partida lembro que um dos fundamentais artigos da reforma da Lei das Sociedades Anônimas (n.º 6.404 de 1976), foram as alterações que modificaram as relações das empresas com os seus acionistas minoritários.

Pelo fato das sociedades anônimas terem que pagar o dividendo obrigatório, o senso comum indica que a própria lei fixaria o seu valor mínimo. Isto porque se fosse instituído o direito fundamental do acionista, competiria à lei assegurá-lo. Trata-se, no entanto, de concepção errada, porque a nossa legislação societária não determina qual será o valor do dividendo mínimo. Na verdade, o valor do dividendo obrigatório a ser pago será fixado pelo estatuto da companhia, conforme previsto pelo art. 202, Lei nº 6.404/76, que assim dispõe:

Art. 202. Os acionistas têm direito de receber como dividendo obrigatório, em cada exercício, a parcela dos lucros estabelecida no estatuto ou, se este for omisso, a importância determinada de acordo com as seguintes normas: Da redação do referido artigo, evidenciamos, primeiro, que a lei remete ao estatuto a competência para fixar o dividendo obrigatório a ser pago. Sendo assim, para os que pretendem investir em uma empresa de capital aberto listada no bolsa, é fundamental a consulta ao estatuto dessa empresa.

Segundo ponto, inexiste, no texto legal, obrigatoriedade de o estatuto, ao definir o dividendo, observar qualquer valor mínimo. Ou seja, não há, por exemplo, a obrigatoriedade de o dividendo obrigatório ser de 10%, 20% ou qualquer outro percentual do lucro líquido do exercício ou de outras variáveis. Há de se destacar que se tornou comum a disseminação da informação de que o acionista teria direito a, no mínimo, 25% do lucro líquido do exercício. A redação do Art. 202 evidencia que se trata de informe sem amparo na Lei. Mesmo assim, o investidor dotado de poucos conhecimentos sobre a legislação societária pode ser induzido a acreditar que receberá sempre dividendos, segundo este valor referencial.

Destacamos que o dividendo mínimo obrigatório pode ser reduzido, por deliberação em Assembleia Geral Extraordinária, nos termos do inciso III, art. 136, LSA. Consideremos, como exemplo, que o estatuto de certa companhia fixou o dividendo mínimo em 20% do lucro líquido do exercício. A AGE pode deliberar e reduzi-lo para 15% do lucro líquido. O valor do dividendo pode ser fixado como porcentagem do lucro ou do capital social, ou por meio de outros critérios, conforme fixado pelo § 1º, Art. 202, Lei nº 6.404/76, que assim dispõe: Art. 202. § 1º. O estatuto poderá estabelecer o dividendo como porcentagem do lucro ou do capital social, ou fixar outros critérios para determiná-lo, desde que sejam regulados com precisão e minúcia e não sujeitem os acionistas minoritários ao arbítrio dos órgãos de administração ou da maioria. Apesar de ser mais lógico fixar o valor do dividendo como percentual do lucro líquido apurado, a Lei permite que sejam utilizados outros parâmetros, desde que sejam facilmente definidos e não dependam do livre arbítrio da maioria ou da administração. Esta previsão visa a proteger o minoritário. Em decorrência dessa previsão, podemos ter, nas companhias, a fixação de dividendos fixos.

Destaco o fato de caso o estatuto seja omisso quanto ao valor do dividendo obrigatório a ser distribuído, a Lei fixa que será distribuído, como dividendo obrigatório, metade do lucro líquido do exercício descontado dos valores destinados à reserva legal e à reserva para contingências. Esta regra encontra-se inserta no artigo 202 da Lei nº 6.404/ 76, que assim dispõe: Art. 202. Os acionistas têm direito de receber como dividendo obrigatório, em cada exercício, a parcela de lucros estabelecida no estatuto ou, se este for omisso, a importância destinada de acordo com as seguintes normas:

I – metade do lucro líquido do exercício diminuído ou acrescido dos seguintes valores:

a) Importância destinada à constituição da reserva legal (Art. 193);
b) Importância destinada à formação da reserva para contingências (Art. 195) e reversão da mesma reserva formada em exercícios anteriores; A reserva legal, nos termos do Artigo 193, absorverá 5% (cinco por cento) do lucro líquido do exercício. A reserva de contingência, nos termos do artigo 195, absorverá parte do lucro líquido necessário a compensar a diminuição do lucro, em exercício futuro, decorrente da perda estimada provável. A norma do art. 202, LSA, tem duas funções. A primeira função seria a protetiva dos minoritários. Ou seja, todo aquele que adquire ações de companhia, na qual o estatuto é silente quanto ao dividendo a ser distribuído, saberá que, neste caso, terá direito a metade do lucro líquido ajustado.

Se não houvesse essa norma, a Assembleia geral ordinária (AGO) poderia decidir qualquer percentual de distribuição. Ela poderia, por exemplo, decidir distribuir apenas 1%, o que prejudicaria em muito os minoritários. A segunda função seria a de indutora para as companhias inserirem, em seus estatutos, cláusulas fixando o dividendo a ser distribuído. Isto porque, caso não haja a fixação no estatuto, a sociedade anônima seria obrigada a distribuir metade do seu lucro líquido, que teoricamente seria um percentual elevado. Destacamos que a lei não traz exceções à regra, em função dos objetivos da empresa. Ou seja, mesmo que haja necessidade de recursos para, por exemplo, criar filiais, a empresa terá que distribuir a metade do lucro líquido.

Destacamos, que o estatuto pode ser totalmente silente em relação ao dividendo obrigatório mínimo. Mas, este pode ser alterado para passar a prever o dividendo obrigatório a ser pago aos acionistas. Ou seja, mesmo que inicialmente o estatuto não contenha previsão sobre o dividendo obrigatório, há a possibilidade de ser promovida alteração estatutária, para que seja inserida cláusula fixando o dividendo obrigatório. Neste caso, quando o dividendo obrigatório for fixado por alteração estatutária, o valor não poderá ser inferior a 25% do lucro líquido ajustado, conforme disciplinado pelo § 2º, artigo 202, Lei nº 6.404/ 76, que assim dispõe: Art. 202. § 2º Quando o estatuto for omisso e a assembleia-geral deliberar alterá-lo para introduzir norma sobre a matéria, o dividendo obrigatório não poderá ser inferior a 25% do lucro líquido ajustado nos termos do inciso I deste artigo.

Mostra-se de fácil entendimento a lógica desta regra. Há, aqui, clara medida protetiva aos investidores de boa-fé. Consideremos, como exemplo, que determinada companhia A, que não possui previsão estatutária sobre o dividendo obrigatório, promove IPO de suas ações e muitos investidores resolvem aplicar suas economias, na aquisição de ações de A, em face de adquirirem o direito a receberem 50% do lucro líquido ajustado. No entanto, dois meses após a realização do IPO, a companhia A promove alteração estatutária, passando a prever que o dividendo obrigatório passou a ser de apenas 5% do lucro líquido ajustado, uma clara mudança em prejuízo aos novos acionistas. Esta forte redução prejudicaria todos os que participaram do IPO, que adquiriram ações pelo direito a receber, como dividendos, parte considerável dos lucros distribuídos. Para evitar situações como esta, o legislador assentou regra fixando que qualquer alteração estatutária para introdução de disposição sobre o dividendo obrigatório, este não poderá ser fixado abaixo de 25% do lucro líquido ajustado. Ou seja, a redução máxima permitida será de 50% do lucro líquido ajustado para 25%.”

Mas poderia a empresa efetuar pagamento de dividendo abaixo do mínimo obrigatório?

Lembro que a assembleia geral pode decidir pelo pagamento de dividendo abaixo do mínimo obrigatório fixado na lei, conforme fixado no § 3º, art. 202, da Lei nº 6.404/76, que assim dispõe: Art. 202. § 3º. A assembleia-geral pode, desde que não haja oposição de qualquer acionista presente, deliberar a distribuição de dividendo inferior ao obrigatório, nos termos deste artigo, ou a retenção de todo o lucro líquido, nas seguintes sociedades: I – companhias abertas exclusivamente para a captação de recursos por debêntures não conversíveis em ações; II – companhias fechadas, exceto nas controladas por companhias abertas que não se enquadrem na condição prevista no inciso I;
Ao mesmo tempo a lei das S.A., atribui à assembleia geral a prerrogativa para decidir quanto ao pagamento do dividendo abaixo do mínimo obrigatório, ou mesmo de não distribuição do dividendo.

Destaco também que a característica das preferenciais foi alterada e o Novo Mercado passou a exigir que ofertas de ações fossem com ação votante, e assim a política de dividendos adquiriu maior relevância.

Quando a empresa gera resultados acima do esperado, acima de suas necessidades de expansão, é natural que os acionistas defendam que o excedente lhes seja pago sob a forma de dividendos extras, o que não permite concluir que seria um direito dos acionistas, minoritários ou não a distribuição desse excedente.

O fato é que nesses momentos deve prevalecer o interesse da empresa, que bem pode no caso da Petrobras entender que precisa intensificar seus investimentos em combustíveis renováveis diante do crescimento de veículos elétricos?

Claro que os minoritários podem discordar, e podem ter acesso mais detalhado aos números da empresa, que motivaram aquela decisão, mas também existem requisitos previstos na Lei para a manifestação dessa discordância.

O legislador fixou que, em casos de violação da lei ou estatuto, os acionistas minoritários podem acessar os livros contábeis, na sua íntegra, desde que, isoladamente ou em conjunto, possuam pelo menos 5% (cinco por cento) do capital social da sociedade anônima, conforme fixado pelo artigo 105, Lei nº 6.404/1976, que assim dispõe: Art. 105. A exibição por inteiro dos livros da companhia pode ser ordenada judicialmente sempre que, a requerimento de acionistas que representem, pelo menos 5% do capital social, sejam apontados atos violadores da lei ou do estatuto, ou haja fundada suspeita de graves irregularidades praticadas por qualquer dos órgãos da companhia.

Lembro que a sociedade anônima pode emitir certidões retiradas dos livros que listamos nos incisos I a III, art. 100, Lei nº 6.404-76, conforme fixado no § 1º, art. 100, LSA, que assim dispõe: Art. 100. § 1º. A qualquer pessoa, desde que se destinem a defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal ou dos acionistas ou do mercado de valores mobiliários, serão dadas certidões dos assentamentos constantes dos livros mencionados nos incisos I a III, e por elas a companhia poderá cobrar o custo do serviço, cabendo, do indeferimento do pedido por parte da companhia, recurso à Comissão de Valores Mobiliários.

Nem sempre a vontade do acionista anda de mãos dadas com o estratégico do negócio, e isso só vai se acentuar em gigantes como a Petrobras.

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