A Receita Federal deve editar nos próximos dias uma nova regulamentação que tem como propósito fechar brechas usadas por investidores estrangeiros residentes em paraísos fiscais e detentores de criptoativos no Brasil (o que inclui as criptomoedas) para driblar o pagamento de Imposto de Renda (IR).
Novas Regras Tributárias e Projeto de Lei
As medidas serão incluídas no projeto de lei que altera a tributação das aplicações financeiras, anunciado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) e que será enviado ainda em março ao Congresso Nacional. A proposta é focada na simplificação e consolidação de regras de tributação das aplicações em títulos e valores mobiliários, das operações em Bolsa e do investimento estrangeiro nessas duas modalidades. Não haverá mudanças de alíquotas, mas algumas alterações podem gerar ganhos de arrecadação para a União. Ainda assim, a estimativa oficial é de um impacto neutro, dado que os investidores podem ajustar suas estratégias de investimento após as modificações. Caso sejam aprovadas, o que deve ocorrer ainda nesse ano, as novas regras valerão a partir de 2025.
Tributação de Investidores Estrangeiros e Paraísos Fiscais
No momento, a legislação brasileira isenta de IR os rendimentos de investidores estrangeiros na Bolsa e cobra uma alíquota reduzida de 15% sobre as demais aplicações, o que será mantido para fomentar a entrada de recursos no país, por sinal, recursos que devem aumentar agora no segundo semestre com a queda de juros. Destacamos que o benefício não vale para os residentes em paraísos fiscais, que deveriam pagar até 22,5% em todas as modalidades de investimento. Os paraísos fiscais (países com tributação favorecida) são aqueles com isenção ou tributação abaixo de 20% sobre a renda, ou que dão pouca ou nenhuma transparência às informações de empresas lá sediadas. A lista inclui 61 países ou territórios, como Bermudas, Ilhas Virgens Britânicas e Ilhas Cayman.
Legislação e Limitações Atuais
A Lei deve sanar uma limitação atual no regramento do tema, que atualmente é tratado por uma instrução normativa da Receita Federal, enquanto a lei que trata do IR sobre aplicações financeiras é vaga e não inclui no conceito de paraíso fiscal os países que impõem sigilo às informações. É justamente a ausência de base legal expressa para a cobrança nesses casos que gera uma zona cinzenta e que tem dificultado a atuação do fisco. Destaca-se ainda que, como a lista da Receita não detalha por qual razão o país foi enquadrado como paraíso fiscal, a brecha passou a ser usada pelos investidores para driblar o pagamento do tributo nas mais diferentes situações.
Regulamentação dos Criptoativos
O projeto de lei vai deixar claro que o conceito de paraíso fiscal alcança aqueles países que não dão transparência às informações, dessa maneira, se garante uma base legal necessária e fecha o cerco a investidores desses países que trazem seus recursos ao Brasil. Ao mesmo tempo, o projeto pretende também aprimorar outras regras envolvendo paraísos fiscais. Há hoje uma insegurança jurídica sobre qual tratamento dar quando o país entra ou sai da lista. Ele ainda prevê que a lista da Receita é taxativa e não exemplificativa, a bem da segurança jurídica, e só surte efeitos após a data de publicação, ou seja, a cobrança só vale para rendimentos obtidos após a inclusão expressa do país. Ganhos anteriores continuam isentos.
Mudanças na Tributação dos Criptoativos
O mesmo vale na situação contrária, como esclarece recente reportagem do jornal de Brasília, exemplificando que em 2014, a Suíça deixou a lista de paraísos fiscais. Embora alguns contribuintes busquem a aplicação ampla da isenção, a regra garante que todos os rendimentos auferidos antes da exclusão são tributáveis pela maior alíquota. O projeto do governo ainda vai regular a tributação dos criptoativos no Brasil – o que inclui criptomoedas como o bitcoin. Hoje, não há nenhuma Lei que trata do tema, o que temos é uma aplicação por analogia, o que pode dar espaço para discussão do tema. Atualmente, se aplica uma instrução normativa para aplicar a esses ativos virtuais a mesma regra do IR sobre ganho de capital, válida na venda de bens como um imóvel ou carro. A saída, porém, é evidentemente insuficiente e falha, uma vez que a regra isenta de imposto a venda de bens de pequeno valor (até R$ 35 mil). Nessas operações, o contribuinte não precisa apurar o ganho de capital. Recentemente, a Receita identificou que os detentores de criptoativos estão se valendo da isenção para fazer operações até esse valor e “não pagar nada” ao fisco. A proposta para corrigir o problema é prever a aplicação da mesma regra das aplicações financeiras (alíquota de até 22,5%) sempre que esse ativo virtual for uma representação de uma aplicação financeira (como é o caso das criptomoedas). A mudança é necessária não só para permitir a tributação, mas também para manter a isonomia entre contribuintes, já que as operações com criptoativos no exterior já estão sofrendo incidência de Imposto de Renda.
Atualização do Processo de Tributação
Hoje, o governo exige que investidores da Bolsa apurem mensalmente seus ganhos e perdas para recolher o imposto devido, observando a isenção para vendas de até R$ 20 mil, a ideia do projeto é que a apuração passe a ser trimestral, com ampliação proporcional da isenção a R$ 60 mil. O texto também vai criar condições para que os investidores adotem a chamada ReVar, calculadora da Receita Federal para apurar o imposto devido sobre ganhos com renda variável. Segundo técnicos, há contribuintes que não pagam ou pagam errado devido à complexidade do cálculo, o que pode ser corrigido com a automatização. Outra mudança interessante procura pôr fim à chamada “barriga de aluguel”, quando um fundo de investimento sujeito a uma alíquota menor de IR recebe temporariamente ações vindas de outro fundo sujeito a tributação maior num momento em que há perspectiva de pagamento de rendimentos, como JCP (Juro sobre Capital Próprio). A manobra tem o objetivo de reduzir o pagamento de imposto sobre esses ganhos, que são repassados ao detentor original. O projeto fecha essa brecha e busca garantir a cobrança do tributo.
Desafios da Tributação dos Criptoativos e Novas Resoluções da CVM
As mudanças são um desafio à tributação dos criptoativos, algo novo, completamente digital e com um fluxo contínuo por diversos canais que dificultam a sua fiscalização. Lembro que a CVM, nos dois últimos anos, publicou quatro novas resoluções que procuram aperfeiçoar o controle e o acompanhamento dos investimentos em fundos de investimentos, as resoluções CVM 175/2022 com as alterações trazidas pelas resoluções 181, 184 e 187, ambas de 2023, uma legislação complexa e que pode sim dar espaço para um maior rigor no propósito e no detalhamento dos fundos. A transparência e compliance no universo de possibilidade de investimento exigem um redesenhar do sistema regulatório brasileiro, são novos desafios de uma economia a cada dia mais intangível.