Ação Penal Utilizada como Pressão para o Pagamento de Tributos

por CM Consultores | 15.03.2024 | Tributário

As ações questionando dívidas tributárias de contribuintes devem permanecer na área fiscal até que todas as possibilidades sejam esgotadas, para então ser aberta a Ação Penal contra o devedor, pois esse dispositivo deve ser usado como último recurso para obter o montante devido. O entendimento foi aplicado pelo juiz Francisco Luís Rios Alves, da 32ª Vara Federal do Ceará. A ação foi movida pelos donos de uma empresa de alimentação acusados pelo Fisco de sonegar impostos. A divergência surgiu porque os sócios, pai e filho, deviam alguns tributos, mas, em 2009, aderiram a um programa de parcelamento e pagaram R$ 194,5 mil. Essa anistia fiscal garantiu redução de 100% das multas de mora, 40% das multas isoladas, 45% dos juros de mora e 100% do encargo legal. O pagamento foi confirmado pela Receita Federal, mas, para o Fisco, a quitação foi parcial, pois a dívida tributária seria de R$ 224,3 mil.

Os réus afirmaram que a denúncia apresentada é confusa e desconexa, alegando que o Fisco simplesmente decidiu cobrar juros sobre a multa anistiada e que não há materialidade delitiva, pois a denúncia não detalhou o saldo devido.

Fundamentação Jurídica

Segundo o julgador federal, a denúncia está coerente, mas incompleta, porque não foi contabilizada a adesão da empresa dos réus ao programa de parcelamento tributário em 2009. Ressaltou que o Fisco, em portaria conjunta da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e da Receita Federal, já definiu a controvérsia sobre o saldo residual dessas iniciativas de parcelamento.

Para o Fisco, o benefício abrangeu os interessados que aderiram à iniciativa logo após a publicação da portaria. “Entendo que o saldo remanescente do PAF nº 10380.015.532/2007/52 desvinculou-se da sua razão inicial de existência, qual seja, cobrança de débito em razão da conduta prevista no art. 1º da Lei nº 8.137/90, passando a tratar-se apenas de débito meramente fiscal cuja razão de existir está na divergência de interpretação do dispositivo legal”, explicou o julgador.

Conclusão

Antes da ação na 32ª Vara Federal do Ceará, os réus apresentaram Mandado de Segurança na 9ª Vara Federal do estado e no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, saindo vitoriosos nos dois julgamentos. Porém, em recurso da Fazenda Nacional, o Superior Tribunal de Justiça reformou o entendimento de primeiro e segundo graus, o que motivou questionamento dos réus ao Supremo Tribunal Federal, que ainda não foi julgado.

“Estando o débito quitado segundo uma possível interpretação do art. 1º, §3º, da Lei nº 11.941/2009, e sendo o Direito Penal a última ratio, não cabe submeter os cidadãos que se esforçaram para pagar integralmente seus débitos a uma Ação Penal a qualquer custo, de modo que sendo possível proteger certos bens da vida por outros meios de controle social, por outros ramos do Direito, isto deve ser feito. In casu, o saldo do PAF nº 10380.015532/2007-52, enseja apenas uma Ação Fiscal caso não seja quitado na esfera administrativa após decisão judicial, não havendo assim justa causa para ação penal”, finalizou o juiz federal Francisco Luís Rios Alves.

Encerramento

Trata-se de Ação Penal movida pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – MPF em desfavor de e imputando-lhes a prática do crime tipificado no art. 1º, da Lei nº 8.137/90. Embora a denúncia mencione diversos fatos e nomes de pessoas físicas e jurídicas relacionadas à possível existência de outros crimes supostamente atribuídos aos réus, interessa à presente Ação Penal apenas o suposto crime de sonegação fiscal previsto no art. 1º da Lei 8.137/90 noticiado na Representação Fiscal para Fins Penais de nº 10380.015743/2007-95, referente ao processo Administrativo Fiscal de nº 10380.015.532/2007-52, remetida ao MPF em virtude da constatação pela fiscalização da Receita Federal de grave incompatibilidade entre a movimentação financeira (base da CPMF) apresentada pela empresa CRAL – Comércio e Representação de Alimentos Ltda – ME (CNPJ 04.300.871/0001-81), junto à rede bancária durante os anos 2002 e 2003, em relação aos dados por ela declarados ao Fisco Federal nesses exercícios, conforme tabela de fls. 917 do IPL 0203/2009. Relata a denúncia que, segundo informação da junta comercial, a empresa CRAL – Comércio e Representação de Alimentos Ltda – ME (CNPJ 04.300.871/0001-81), situada na rua 7 de setembro, nº 155, bairro Parangaba, e estava registrada em nome de em sociedade com [link].

Entretanto, o imóvel onde funcionava a citada empresa seria de propriedade do Sr. (irmão de conforme Declaração de Ajuste Anual referente aos exercícios de 2001 e 2002, tendo informado sua transferência à IMOBILIÁRIA PREDILETA LTDA, também registrada no nome deste. Segundo a denúncia, após as investigações e diligências realizadas, conforme se vê no IPL 0203/2009, concluiu-se que os recursos movimentados pela empresa CRAL – Comércio e Representação de Alimentos Ltda – ME (CNPJ 04.300.871/0001-81) pertenciam, de fato, a e a seu filho os quais se utilizavam de interpostas pessoas (laranjas) para a prática delituosa, dentre estas e MANOEL JOSÉ DE SOUZA (já falecido), que detinham plena ciência de toda artimanha empregada, com a finalidade precípua de dissimular as movimentações de valores à disposição do verdadeiro titular do numerário. Consta da denúncia que o PAF nº 10380.015532/2007-52 (com cópia às fls. 776/805 – vol. III do IPL 0203/2009, referente ao auto de infração atinente à empresa CRAL – Comércio e Representação de Alimentos Ltda – ME (CNPJ 04.300.871/0001-81), tivera o seu julgamento administrativo definitivamente encerrado, estando, à época, em fase de cobrança na Procuradoria da Fazenda Nacional, tendo sido lavrado Termo de Sujeição Passiva Solidária em relação ao réu conforme se vê às fls. 796 do IPL 0203/2009. Asseverou a denúncia que a Receita Federal informou, através do ofício de fls. 834, que o crédito referente ao PAF nº 10380.015532/2007-52 estaria parcialmente extinto por pagamento. Entretanto, afirmou o membro do parquet federal que os fatos devem ser analisados sob a ótica do artigo 34 da Lei 9.249/95 que traz a seguinte previsão: “Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia”. Assim, em análise do Procedimento Administrativo Fiscal retromencionado, verifica-se que a Ação Fiscal ainda se encontra em andamento no Órgão fazendário, o que atesta que o pagamento parcial efetuado pelo contribuinte não implica, necessariamente, em extinção do crédito tributário, pelo que pediu o MPF a instauração do processo criminal para fins de aplicação das justas sanções legais aos réus. A denúncia foi recebida em 10/12/2015 (fls. 09/11). Devidamente citados, os réus constituíram advogados e apresentaram resposta à acusação às fls. 21/29 e 32/47. Alegaram como preliminar inépcia da denúncia por inequívoca deficiência na descrição dos fatos e seus elementos essenciais a impedir a compreensão da acusação e causando flagrante prejuízo à defesa, e ausência de justa causa pela inexistência de provas quanto à materialidade delitiva por não haver nos autos detalhes da constituição do “saldo” do PAF 10380.015532/2007-52, informando-se apenas que parte fora paga em dinheiro. Esclarecem os réus que a empresa pagou 100% (cem por cento) do crédito tributário, em dinheiro, pois a empresa CRAL – Comércio e Representação de Alimentos Ltda – ME (CNPJ 04.300.871/0001-81) aderiu à anistia fiscal nos termos do art. 1º, §3º, I, da Lei 11.941/09, que garante ao contribuinte redução de 100% (cem por cento) das multas de mora e de ofício, 40% (quarenta por cento) das multas isoladas, 45% (quarenta e cinco por cento) dos juros de mora e 100% (cem por cento) do encargo legal, recolhendo aos cofres públicos o valor principal do tributo cobrado em sobredito procedimento fiscal, nos termos da lei. Tendo o Fisco Federal, extemporaneamente, resolvido lhe cobrar juros sobre a multa anistiada, com o que não concordou, tendo por isto recorrido ao Poder Judiciário, do qual obteve decisão favorável em sede de Mandado de Segurança na primeira e segunda instância, tendo obtido decisão desfavorável apenas no STJ, devendo-se diferenciar inadimplência de sonegação fiscal, uma vez que não houve dolo ou fraude por parte dos réus, caso prospere o Acórdão do E. STJ. Réplica do MPF às fls. 88/93, no sentido de que a inicial delatória descreveu a conduta dos denunciados, relacionando os fatos ao Processo Administrativo Fiscal nº 10380.015532/2007-52, estando presentes os requisitos exigidos no art. 41 do CPP, bem como encontra-se definitivamente constituído o crédito referente ao PAF nº 10380.015532/2007-52, restando plenamente satisfeita a materialidade do delito de sonegação fiscal insculpido na Lei nº 8.137/90, praticado por em conluio com e pelo que requer o prosseguimento do feito com a Condenação dos denunciados. É o relatório. 2. FUNDAMENTAÇÃO. Conforme se depreende do relatório supra, os réus e foram denunciados, em 25/11/2015, pela prática, em tese, do suposto crime de sonegação fiscal previsto no art. 1º da Lei 8.137/90, noticiado na Representação Fiscal para Fins Penais de nº 10380.015743/2007-95, referente ao processo Administrativo Fiscal de nº 10380.015.532/2007-52. Ocorre que a denúncia, embora tendo descrito a contento a conduta inicial dos réus que levou à constituição original do crédito tributário referente ao processo administrativo fiscal de nº 10380.015.532/2007/52, instaurado em 2007, e que deu ensejo à representação fiscal para fins penais de nº 10380.015743/2007-95, também do ano de 2007, foi omissa quanto ao fato de a empresa CRAL – Comércio e Representação de Alimentos Ltda – ME (CNPJ 04.300.871/0001-81) ter aderido, em 2009, à anistia fiscal nos termos do art. 1º, §3º, I, da Lei 11.941/09, que garante ao contribuinte redução de 100% (cem por cento) das multas de mora e de ofício, 40% (quarenta por cento) das multas isoladas, 45% (quarenta e cinco por cento) dos juros de mora e 100 (cem por cento) do encargo legal, tendo pago, em dinheiro, 100% (cem por cento) do crédito tributário, no caso de pagamento integral do débito “à vista” recolhendo aos cofres públicos o valor principal do tributo cobrado em sobredito procedimento fiscal, nos termos de interpretação plausível dada ao art. 1º, §3º, I, da Lei 11.941/09 que afastava a pretensão da incidência de juros sobre a multa que teve remissão de 100%. Frise-se que até 23/7/2009 havia divergência interpretativa entre a Procuradoria da Fazenda Nacional e a Receita Federal do Brasil quanto art. 1º, §3º, da Lei nº 11.941/2009, sendo necessária a edição da portaria conjunta PGFN/RFB 6/2009, tendo a própria Fazenda Pública restringido a incidência da correta interpretação do mencionado dispositivo aos contribuintes que efetuaram pagamentos após a vigência da mencionada Portaria, benefício que não pôde ser estendido ao débito da empresa dos réus em virtude de seus pagamentos terem sido efetuados em novembro de 2009 (fato mencionado na decisão de Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 1.510.603-CE, pelo Ministro Humberto Martins). Assim, a inicial acusatória deixou de mencionar no que consistiria o saldo do PAF nº 10380.015.532/2007/52, e que este tratava-se apenas de parcela mínima referente aos juros de mora cobrados sobre a multa de ofício que fora integralmente remida, conforme previsto no art. 1º, §3º, da Lei nº 11.941/2009, pelo que se mostra inepta. Neste contexto, acreditando ter quitado integralmente seu débito, os réus foram surpreendidos pela cobrança de saldo remanescente, pelo que impetraram mandado de segurança, obtendo decisão favorável na primeira e na segunda instância, conforme o seguinte entendimento esposado pelos magistrados da 9ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará e do TRF da 5ª Região (fls. 65/69): “(…) Em que pese o entendimento adotado no âmbito da Receita Federal e da Procuradoria da Fazenda Nacional, estou que a interpretação feita pelo impetrante parece mais correta. 18. A Lei nº 11.941/2009 trouxe um enorme benefício aos devedores do Fisco Federal que procurassem pagar a dívida à vista. 19. De uma forma indireta, o art. 1º,§3º, I, acaba por dividir em partes o débito total. Ao dispor sobre as multas de mora, multas de ofício e encargo legal, dispõe que estas parcelas do débito terão dispensa (remissão) de 100%. 20. Dispensadas estas parcelas, não há motivos para crer que os seus consectários, acessórios que são, devem ser cobrados mesmo que em patamar reduzido de 45% (quarenta e cinco por cento). 21. Se o principal, que é a multa de mora e que penaliza o contribuinte pelo atraso do tributo foi remido, não parece lógico que os juros incidentes sobre esta parcela permaneçam sendo cobrado pela Fazenda Nacional. 22. No entendimento acolhido por este Juízo, os juros de mora referidos no inciso I, que devem sofrer a redução de 45%, referem-se, por lógica, à parcela do total do débito que não foi remida, ou seja, o tributo em si. Ressalte-se que este entendimento era o adotado pela Receita Federal do Brasil, conforme aduzido pela autoridade coatora em suas informações de fls. 121/132. 23. Desta forma, vê-se que o requisito do fumus boni iuris encontra-se preenchido. Os pagamentos comprovados às fls. 17/71, foram efetivados em conformidade ao que dispõe a lei nº 11.941/2009. (…).” Em que pese a Segunda Turma do STJ ter entendido diferente ao julgar o Recurso Especial nº 1.510.603-CE, a questão ainda não foi definitivamente resolvida, tendo o processo sido remetido ao STF em 10/03/2016. De toda sorte, entendo que o saldo remanescente do PAF nº 10380.015532/2007/52 desvinculou-se da sua razão inicial de existência, qual seja, cobrança de débito em razão da conduta prevista no art. 1º da Lei nº 8.137/90, passando a tratar-se apenas de débito meramente fiscal cuja razão de existir está na divergência de interpretação do dispositivo legal. Não se olvida que o entendimento esposado pelo STJ é, na atualidade, o entendimento majoritário, contudo não se pode negar a plausibilidade do entendimento esposado pelo Juízo de primeiro grau e pelas Turmas Recursais. Destarte, em que pese o dissenso jurisprudencial, faz-se necessário conceder o benefício da dúvida aos réus e trancar a presente ação penal em razão da existência de possível excludente de ilicitude pela atipicidade da conduta, no caso, atipicidade formal pela falta de justa causa para o prosseguimento da ação penal pela falta de subsistência do crédito tributário referente ao PAF nº 10380.015532/2007/52, assim como pela atipicidade material em razão da inexistência de dolo por parte dos réus. Ante o exposto, e em consonância com o parecer ministerial, JULGO EXTINTA a punibilidade dos réus pela prática do crime previsto no art. 1º, III, da Lei nº 8.137/90, com fundamento no art. 107, inciso IV, do Código Penal, e, via de consequência, JULGO EXTINTA A AÇÃO PENAL movida em desfavor dos acusados, com base no art. 395, III, do CPP. Expeçam-se as guias de levantamento dos valores depositados à fl. 23 em nome do réu , bem como a guia de devolução dos valores depositados à fl. 35 em nome do réu , arquivando-se os autos com as cautelas de praxe. Sem custas em razão da isenção concedida pela gratuidade da justiça. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Após o trânsito em julgado, remetam-se os autos ao arquivo, observadas as formalidades legais. FORTALEZA, data da assinatura digital. Francisco Luís Rios Alves JUIZ FEDERAL

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