O planejamento sucessório vem sendo incorporado, como instrumento na redução de custos e de complexidade das relações jurídicas advindas da sucessão.
Uma das práticas que tem ganhado destaque é a doação de quotas com reserva de usufruto. Essa modalidade de operação tem sido cada vez mais explorada por empresários como uma maneira de otimizar a gestão patrimonial e sucessória.
As empresas que fazem a opção pelo Simples, visto que ele não é obrigatório, mas sim uma opção de regime tributária com algumas condicionantes, precisam estar dentro de alguns requisitos, e logo surge a dúvida se alguma dessas condicionantes criaria limitações ou vedação a doação de quotas com reserva de usufruto.
O regime tributário do Simples Nacional nasceu em 2006, com um objetivo muito claro: auxiliar as pequenas empresas a conseguirem prosperar e sobreviverem no mercado, diminuindo alíquotas e burocracia das inúmeras declarações, que empresas submetidas ao lucro real ou presumido são obrigadas a cumprir.
Nota-se que até o início da vigência do Simples, os micro e pequenos empresários pagavam os tributos de maneira separada aos três entes federativos dependendo do tipo de atividade (municipal, estadual e federal), o que em inúmeras vezes é uma barreira para empresas de pequeno porte, visto as quantidades de tributos, periodicidade de pagamento distintos (mensal, trimestral, etc.) e além disso, as próprias alíquotas, que eram significativas para esses pequenos negócios.
Passamos assim a identificar abaixo, os diversos requisitos exigidos das empresas que intencionam fazer a opção para usufruir do regime, esses previstos na Lei Complementar 123/06.
Art. 3º Para os efeitos desta Lei complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte, a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o Art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:
no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00;
e no caso de empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$360.000,00 e igual ou inferior a R$4.800.000,00.
§ 4º Não poderá se beneficiar do tratamento jurídico diferenciado previsto nesta lei complementar, incluído o regime de que trata o art. 12 desta lei complementar, para nenhum efeito legal, a pessoa jurídica:
IV – cujo titular ou sócio participe com mais de 10% do capital de outra empresa não beneficiada por esta lei complementar, desde que a receita bruta global ultrapasse o limite de que trata o inciso II do caput deste artigo;
Um dos requisitos é que a pessoa jurídica não pode ter um sócio que possua mais de 10% do capital de uma outra empresa que não esteja no Simples Nacional, desde que a receita bruta da junção de todas essas empresas ultrapassem o limite desse regime, R$4.800.000,00.
Em análise desse último dispositivo e considerando a interpretação conforme o expresso em Lei, o que deveria ser levado em conta, seria justamente a participação societária em outras empresas, então fica a dúvida, e se o sócio doar as quotas dele nas outras empresas mas fica reservado dos usufrutos, poderia então se encaixar no Simples Nacional, levando em consideração que os demais requisitos já tenham sido cumpridos?
A resposta é negativa para essa questão, já foi apreciada pelo CARF que possui entendimento, há mais de 10 anos, de que o usufruto resguardando direitos políticos, como por exemplo o direito a voto (caso possua) e os direitos econômicos, como o recebimento de dividendos, se equipara à figura de um sócio, e portanto, estaria descumprindo um dos requisitos.
ASSUNTO: SIMPLES NACIONAL Ano-calendário: 2013 SIMPLES NACIONAL. EXCLUSÃO. PARTICIPAÇÃO NO CAPITAL DE OUTRA SOCIEDADE. USUFRUTO DE QUOTAS SOCIAIS. LIMITES DE RECEITA BRUTA. A gravação de usufruto sobre quotas de sociedade limitada configura modalidade de participação no capital, para os efeitos do Simples Nacional. Diante disso, se restar demonstrado que a receita bruta global determinada na Lei Complementar 123/06 foi ultrapassada, é devida a exclusão da empresa do Simples Nacional.
(CARF 13971721262201722 1003-002.494, relator: Bárbara Santos Guedes, Data de Julgamento: 13/7/21, Data de Publicação: 30/7/21)
Entretanto, levando em consideração o conceito de propriedade e analisando conforme o expresso na Lei Complementar 123/06, percebe-se que a decisão do CARF é mais uma manobra para uma maior tributação, e por consequência, criar um obstáculo na hora de um planejamento societário e patrimonial.
A doação com reserva de usufruto é uma modalidade de doação em que o doador transfere um bem para outra pessoa (o donatário), mas reserva para si o direito de usufruir desse bem durante um período determinado ou até o fim da sua vida. Esse tipo de doação é bastante comum em situações em que o doador deseja transferir seus bens para os herdeiros, mas ainda quer manter o direito de usufruir desses bens enquanto estiver vivo.
Essa reserva de usufruto, na doação de quotas sociais, garante ao doador o direito de continuar com os direitos políticos e econômicos que suas quotas possuem, enquanto o donatário tem a posse e a propriedade legal do bem.
É importante destacar que a doação com reserva de usufruto implica na perda imediata do direito de dispor do bem doado, ou seja, o doador não poderá vendê-lo, alugá-lo ou transferi-lo de outra forma enquanto perdurar o usufruto, a menos que haja consentimento expresso do donatário. Logo ele não é proprietário das quotas, portanto, não se encontra no quadro social da empresa.
O que a Lei Complementar 123/06 diz expressamente em um dos requisitos para o regime do Simples Nacional é:
IV – cujo titular ou sócio participe com mais de 10% do capital de outra empresa não beneficiada por esta Lei Complementar, desde que a receita bruta global ultrapasse o limite de que trata o inciso II do caput deste artigo;
Nota-se que, em uma doação de quotas com reserva de usufruto, o doador não participa do capital da sociedade, seria em total desconformidade com a legislação de direito empresarial fazer uma equiparação desse usufrutuário com a figura de um sócio, visto que nem sequer é titular da quota e não pode aliená-la sem anuência do proprietário (que recebeu a doação).
Além do mais, apesar de óbvio, é necessário dizer que, a doação não ocorre em desconformidade com a legislação civil e nem tributária, ou seja, o doador arcou com os custos da doação, como por exemplo o pagamento do ITCMD, portanto, qual seria o intuito de criar esse obstáculo para que se possa aderir ao regime do Simples Nacional, em um país no qual a quantidade de tributos e suas alíquotas são desestimulantes para os empreendedores?
Logo, conclui-se que a doação de quotas com reserva de usufruto é uma estratégia valiosa no contexto do planejamento sucessório e patrimonial, permitindo ao doador transferir seus bens para os herdeiros enquanto mantém o direito de usufruir desses ativos.
Porém, salientamos que a interpretação do CARF sobre a equiparação do usufrutuário a um sócio pode criar obstáculos desnecessários, visto que o doador não participa do capital da sociedade. A legislação do Simples Nacional exige que os sócios não tenham mais de 10% de participação em outras empresas que ultrapassem determinado limite de faturamento, mas a doação com reserva de usufruto não deveria ser considerada como violação desse requisito, uma vez que o doador não detém os direitos de um sócio pleno. A posição do CARF cria uma zona de risco, que precisa ser dirimida.