O termo “Tokenização” ganhou as ruas e as discussões, sejam elas acadêmicas ou de pretensos novos investidores, ou de eventuais “influencers” que se incorporaram às novas rotinas, e claro, é preciso de tempo para separar o joio do trigo.
Afinal conceitualmente, Tokenização é o processo de converter direitos sobre um ativo em um token digital de uma blockchain. E pode ser usado para representar ativos tradicionais como imóveis, ações, obras de arte, ou até mesmo ativos intangíveis como propriedade intelectual. Isso tudo é possível devido à criação dos Smart Contracts e os posteriores padrões de tokens originalmente definidos, em linhas gerais, pode-se se dizer que a tokenização parece ser a chave para um imenso mundo na reestruturação de negócios, bem tradicionais.
Entre as inúmeras vantagens da tokenização, duas se evidenciam como sendo as principais:
Divisibilidade e acessibilidade.
À medida que tokenizar nosso apartamento, por exemplo, esse pode ter 1 token representando cada m2 dele, ou aquele investimento que necessite de um valor enorme inicial sendo dividido em milhares de tokens que podem ser comprados por várias pessoas. Não é à toa que a CVM em uma decisão de 2023 colocou o uso de regulamentação e crowdfunding como um dos guias para a emissão de tokens no Brasil
Ganhos operacionais.
A tokenização traz ganhos operacionais enormes perante os sistemas utilizados atualmente. Seja na facilidade de liquidação e transferência, seja na segurança, transparência e imutabilidade dos dados que ajudam em futuras auditorias. Pense nos casos de transferência de veículos, ou imóveis hoje. Ou até na compra de um título público no Tesouro Direto.
O operacional poderia ser muito facilitado caso esses ativos tivessem tokens que os representassem em uma rede de Blockchain. E aqui nem mencionei a questão de poderem estar disponíveis para transferência nessas redes.
Claro que oportunidades disruptivas trazem consigo uma carga gigantesca de desafios, e aqui de forma muito reduzida destacamos os maiores:
- Segurança jurídica.
Como garantir juridicamente que aquele determinado token é relativo àquele determinado ativo. Talvez mais fácil para ativos que já estejam no mundo digital; mesmo assim as regulamentações no Brasil e no mundo ainda tentam encontrar uma saída para todos, e claro a regulamentação engatinha. A questão que permeia as discussões têm muito a ver com classificá-los ou não como valor mobiliários e a aplicação de regras de concepção e distribuição de valores mobiliários. - Qual rede usar?
Isso mesmo, visto que hoje existem várias redes de blockchain públicas não permissionárias (Ethereum, Avalanche, Polkdot, entre tantas outras) uma imensidão de redes e soluções em código aberto para colocar de pé redes de Blockchain públicas permissionárias (R3 da Corda, rede Ripple e Stellar, Hyperledger Besu etc.).Ainda que a Ethereum esteja alguns passos à frente das redes públicas não-permissionárias, ou DLTs, mesmo nela a discussão sobre qual L2 usar é importante. No final das contas, o que está por trás dessa discussão também tem a ver com a possibilidade de interoperabilidade dessas redes.
- Segurança e custódia.
Como qualquer tecnologia baseada em blockchain, a tokenização não está isenta de riscos de segurança. Garantir que os tokens estejam seguros contra hackers e fraudes é fundamental. Centralizar a custódia dos tokens ou deixá-los com os usuários? Resposta para isso envolve não só a estrutura da rede, mas também padrão de comportamento dos usuários, além da necessidade de educação para que todos entendam as responsabilidades e riscos da solução. - Precificação.
Visto que determinar o valor de um ativo tokenizado pode ser desafiador, especialmente quando não há um mercado estabelecido ou quando o ativo subjacente é altamente volátil. Oracles de preço são o caminho a seguir nesse sentido, mas tem muito a desenvolver ainda para endereçar completamente os dois cenários citados logo acima.
Educação e UX (user experience).Sim, pois mudanças disruptivas exigem um processo cultural e não apenas um regramento, e aqui parece meio o ovo e a galinha, para definir o que vem primeiro, visto que há uma necessidade significativa de educar os investidores e o público sobre o que são tokens, como funcionam e os benefícios e riscos associados, ao mesmo tempo que o UX em Web3 tem que melhorar demais. Talvez só o UX já resolva? Quem sabe?
É de se destacar que em qualquer processo de tokenização, o dinheiro, ou o token que o representa, é o primeiro ativo a ser considerado, dada sua função essencial como meio de troca para outros ativos. Imagine um cenário onde automóveis e imóveis estejam tokenizados, mas não o dinheiro. Como procederíamos para vender ou trocar esses itens? Retornaríamos ao sistema de escambo? A resposta é ambígua: não e sim. No mundo em constante evolução, o cenário provável é que não retornemos ao escambo.
Para evoluirmos nesta, precisamos sempre recuperar os conceitos, ainda que eles sejam novos e passíveis de mudança, dentro os inúmeros e novos valores da economia digital, a cada dia mais intangível. A fungibilidade é uma característica ímpar dos tokens. E vem desse termo, fungibilidade, ainda pouco usado, a necessidade de métricas, divisibilidades e conversões. Quando se começou a fazer a divisão entre os tokens (fungíveis) e NFTs (non-fungible tokens ou tokens não-fungíveis). Fungibilidade é uma propriedade de um bem ou ativo cujas unidades individuais são intercambiáveis. Em termos simples, se algo é fungível, significa que cada unidade é igual a outra unidade do mesmo tipo. Por exemplo, uma cédula de cinquenta reais é fungível porque toda e qualquer cédula de cinquenta reais tem o mesmo valor que outra cédula de cinquenta reais.
Se você trocar uma cédula de cinquenta reais por outra, você ainda terá uma cédula de cinquenta reais. O oposto de fungível é não-fungível. Aqui o exemplo que se pode usar é o quadro da Mona Lisa. Você até pode ter uma cópia muito parecida na parede da sua casa, mas o original, só no Louvre. Seu carro, seu apartamento e até uma nota de cinquenta reais, se estiver assinada pelo Pelé, são considerados não-fungíveis. De uma maneira geral o mundo hoje tem muito mais coisas não-fungíveis, do que fungíveis.
Juntando fungibilidade e tokens temos: Tokens.
Tokens são unidades digitais de valor emitidas em blockchains. Aqui estão todos os casos de tokens fungíveis. Eles representam um ativo ou uma utilidade e podem ser usados para diversos fins, como representar o dinheiro, ações de uma empresa, ou pontos de fidelidade.
NFTs (Non-Fungible Tokens) ou Tokens Não-Fungíveis.
São um tipo especial de token que representam algo único, diferentemente de tokens fungíveis, onde cada token é igual a outro. NFTs podem representar qualquer coisa digital que seja única, como arte, itens colecionáveis, música, vídeos, entre outros. Cada NFT tem informações distintas e metadados que os tornam intransferíveis, garantindo autenticidade e prova de propriedade na blockchain. Mas a verdade é que há um oceano azul de coisas não-fungíveis e que podem ser representadas em Blockchains, via NFTs.
No caso do dinheiro, sempre estaremos falando de tokens fungíveis, ou simplesmente tokens, como destaca Gustavo Cunha na sua obra “A Tokenização do Dinheiro: Como Blockchain, CBDC, Stablecoins e DREX mudaram o Futuro”.
A criação do Bitcoin, em 2008, resolveu o problema do gasto duplo em transações de pessoa a pessoa, sem intermediários, no campo digital, e foi, sem dúvida alguma, o primeiro e enorme passo na direção do que estamos discutindo atualmente e discutiremos ainda mais, nos anos seguintes.
Ao juntar blocos registrados em ordem cronológica que utilizam criptografia para garantir sua imutabilidade e têm a segurança da rede, segurança dada por um mecanismo de consenso de Prova de Trabalho (proof of work) em uma rede pública distribuída, essa tecnologia abriu espaço para quase tudo no novo mundo.
A digitalização da moeda é um fenômeno inevitável. Utilizamos carteiras digitais para pagamentos há muito tempo. O dinheiro físico fica, cada vez mais, restrito a pequenos comércios que ainda não se digitalizaram, como alguns cafés, ou a transações de valor pequeno. E, mesmo nesses casos, o PIX tem ganhado espaço; em muitas situações, já existem alternativas de pagamento caso você não tenha dinheiro físico.
A Tokenização não é digitalização.
Tokenização e digitalização são dois conceitos que, embora possam parecer semelhantes à primeira vista, têm diferenças fundamentais quando nos aprofundamos em seus detalhes e aplicações.
A digitalização refere-se ao processo de converter informações analógicas em formato digital. Por exemplo, quando você tira uma foto de um documento em papel e a salva em seu computador, você está digitalizando esse documento.
Essencialmente, a digitalização torna as informações mais acessíveis e fáceis de serem compartilhadas, armazenadas ou processadas em plataformas digitais. A tokenização é o processo de converter direitos de um ativo em um token digital que pode ser movido, registrado ou armazenado em um sistema de blockchain. Esses tokens podem representar uma variedade de ativos tangíveis e intangíveis. A tokenização possibilita criar uma representação digital segura de ativos reais, proporcionando liquidez, transparência e a possibilidade de fracionamento desses ativos.
No Brasil a Lei 14.478 de 21 de dezembro de 2022, tratou de dispor sobre as sobre diretrizes a serem observadas na prestação de serviços de ativos virtuais e na regulamentação das prestadoras de serviços de ativos virtuais. Tornando obrigatória a autorização para que as prestadoras de serviços de ativos virtuais funcionem no país, competência de autorização dada pelo somente poderão funcionar no País mediante prévia autorização de órgão ou entidade da Administração Pública Federal, que no nosso caso é de competência do Banco Central junto com a CVM.
Ainda de acordo com o citado diploma: “ Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se ativo virtual a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento, não incluídos:
I – moeda nacional e moedas estrangeiras;
II – moeda eletrônica, nos termos da Lei nº 12.865, de 9 de outubro de 2013;
III – instrumentos que provejam ao seu titular acesso a produtos ou serviços especificados ou a benefício proveniente desses produtos ou serviços, a exemplo de pontos e recompensas de programas de fidelidade; e
IV – representações de ativos cuja emissão, escrituração, negociação ou liquidação esteja prevista em lei ou regulamento, a exemplo de valores mobiliários e de ativos financeiros.
Parágrafo único. Competirá a órgão ou entidade da Administração Pública federal definido em ato do Poder Executivo estabelecer quais serão os ativos financeiros regulados, para fins do referido diploma.
Claro que no Brasil ainda estamos na fase embrionária da regulamentação, pois só na metade de 2023 foi definida a competência regulatória do BC e da CVM.