O elevado número de parcelamentos concedidos de forma sistemática ao contribuinte brasileiro é e sempre será alvo de críticas por aqueles que identificam nos parcelamentos/transações, independentemente da modalidade, um estímulo à inadimplência. Adianto que analisar dessa forma é simplificar a análise de um quadro, onde a anistia e remissão é apenas uma fotografia de algo complexo onde é fundamental ver o filme inteiro e não apenas um aspecto.
Nesse momento, empresários com pendências na dívida ativa da União agora têm a possibilidade de colocar a sua vida com o fisco através da transação tributária. Agora em 2023 a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) lançou novos editais, ofertando opções de renegociação de dívidas através de transações tributárias, focando especialmente nos pequenos negócios.
A adesão pode ser feita online, através do portal Regularize da PGFN, até o dia 29 de setembro, nas seguintes modalidades:
1) Transação de Pequeno Valor: voltada para débitos que não ultrapassem 60 salários mínimos. A negociação pode ser feita para dívidas inscritas há mais de um ano. É essencial incluir todas as inscrições elegíveis na transação para evitar rescisão;
2) Transação para Débitos de Difícil Recuperação: indicada para dívidas inscritas há mais de 15 anos ou aquelas suspensas judicialmente por mais de uma década;
3) Transação Garantida: para contribuintes com decisões judiciais desfavoráveis, cujas dívidas são garantidas por seguro ou carta fiança;
4) Transação Conforme Capacidade de Pagamento: oferece o maior prazo de parcelamento (até 145 meses) e descontos que podem chegar a 100% em juro, multas e encargos.
Para os que apressadamente concluem que essa possibilidade legal, existentes desde 2020, com algumas alterações é um desestímulo colocamos alguns números para reflexão sobre o tema:
Primeiro é bom lembrar que no último relatório Justiça, disponibilizado pelo CNJ, o número de execuções fiscais iniciadas e ainda pendentes chegou a 26,8 milhões e uma taxa de congestionamento de 87,3%, isso mesmo é como se no Brasil tivéssemos uma execução fiscal para cada 8 brasileiros. A classe processual representa 39,6% do total de casos pendentes, isso mesmo no judiciário brasileiro as execuções fiscais representam quase 40% dos casos pendentes, sendo essas e 70,68% das execuções pendentes, com 87% de taxa de congestionamento, indicador que mede o percentual de casos que permanecem pendentes de solução ao final do ano-base, em relação ao que tramitou (soma dos pendentes e dos baixados).
O que de outra forma quer dizer que, em um universo de cem processos de execução fiscal, apenas 13 foram baixados em 2020. No tocante ao tempo de tramitação processual, o relatório aponta que o tempo médio de tramitação do processo de execução fiscal baixado no Poder Judiciário é de 8 anos e 1 mês.
Apenas esse número já seria razão para inovação do sistema de cobranças de dívida tributária, o que por si só já justifica o instituto jurídico da transação, pois é inegável que a cobrança de créditos tributários por meio de execução fiscal possui baixíssima eficácia. Os dados são ainda mais alarmantes quando analisados os gargalos dessa forma de cobrança. Apenas 3,6% dos executados apresentam-se voluntariamente ao juízo, sendo que, em 46,2% dos casos, o devedor não é encontrado pela Justiça. Em 15,7% dos processos, verifica-se a presença de penhora de bens e, em apenas 3,8%, há presença de execuções que contenham leilão judicial. Ressalta o Ipea que, somente em 0,3% dos casos, o pregão atinge recursos suficientes para saldar o débito e que, em 0,4%, há a extinção da dívida. Ademais, de todo o montante de processos judiciais, o pagamento integral da dívida ajuizada é de 25,8% 4. O montante de créditos tributários objeto do contencioso administrativo ou judicial no exercício de 2018 correspondeu a mais de R$ 3.400.000.000.000,00 (três trilhões e quatrocentos bilhões de reais), montante superior ao volume de receitas que ingressou no caixa da União no mesmo período.
Os números indicam que algo está errado no sistema, e uma reforma tributária é o caminho, um caminho longo para o redesenho do nosso sistema e da relação contribuinte fisco.
Os números indicam diversas questões:
1) Eles são o fruto de uma carga tributária elevada e onerosa para alguns setores, ainda que ao mesmo tempo imensamente favorável para alguns setores, os mesmos que neste momento trabalham para manter os privilégios;
2) Os números das dívidas embutem multas que beiram o confisco como as multas de 150%, que somadas a correção dos tributos tornam o seu pagamento inviável;
3) O serviço da dívida é composto por indexadores que somados as multas mais do que triplicam o valor de uma dívida em apenas 5 anos, tente imaginar qualquer negócio que cresça nessa proporção;
4) Os mecanismos de repactuação quase dentro do executivo, quase sempre exigem garantias, isso me faz lembrar o cliente de um banco que tem dificuldade e o banco aumenta os juros e exige mais garantias desse cliente, o que acaba ocorrendo? A inviabilidade do negócio, e isso já indica uma das fortes razões de quebradeiras de empresas no Brasil.
Isso foi apenas para destacar que esses fatores somados a outros que aqui deixamos de apresentar como a política de juros elevada da nossa economia, a transformação digital que torna serviços e produtos obsoletos de uma forma muita acentuada, juntos corroboram para esse quadro de inadimplência tributária.
Logo a oferta de melhores condições dentro da transação, parecem ser o caminho natural.
Na legislação Complementar a transação encontrou previsão inicial no art. 156, III, combinado com o art. 171, ambos do CTN, que a definiu como meio de extinção do crédito tributário nas hipóteses em que lei regulamentadora possibilite a ocorrência de concessões mútuas, com vistas a pôr fim ao litígio. Registre-se, por oportuno, que não obstante a dicção legal, há na doutrina quem defenda que a transação não gera a extinção da obrigação tributária e do crédito que lhe é respectivo. Isso porque nos acordos apenas se estabelecem as condutas a serem adotadas pelo Fisco e pelo sujeito passivo, a fim de que se verifiquem os eventos que documentam os fatos jurídicos extintivos da obrigação tributária. Trata-se, nessa perspectiva, de mecanismo preparatório da extinção da obrigação tributária, que, em última análise, decorre do pagamento, após adimplidas as obrigações reciprocamente entabuladas entre as partes transigentes. É a posição que parece se refletir no disposto no § 3º do art. 3º da Lei n. 13.988/2020, o qual dispõe que os créditos abrangidos pela transação somente serão extintos quando integralmente cumpridas as condições previstas no respectivo termo. Ainda, quanto à natureza jurídica do instituto, existe quem veja na transação a figura jurídica do ato administrativo, que se sucede a uma etapa da negociação, fase anterior ao ato transacional, não compondo-o. Por outro lado, existe quem defenda que a transação é uma espécie de contrato público. A consideração do instituto como contrato reforça a característica da bilateralidade e destaca o fato de que a Fazenda Pública também é sujeito de deveres.
Considerando o edital disponível, os empresários podem pagar uma entrada de 5% da dívida em até cinco prestações mensais. Dependendo da modalidade escolhida, descontos variam de 30% a 50% no saldo remanescente, com prazos que vão de 7 a 55 meses.
Lembramos que a transação faz parte do sistema “Multiportas”, como uma nova forma de tutela de direitos, ao ampliar o acesso à justiça pelo oferecimento de diferentes portas, todas direcionadas à pacificação do conflito entre as partes, preferencialmente de forma consensual. O Brasil está longe de ser o pioneiro desse sistema que procura flexibilizar e dar velocidade às relações. O sistema multiportas, avançou em todo o mundo, com o emprego das chamadas vias alternativas de resolução de disputas (alternative dispute resolution). Mais do que isso, corporificou-se a percepção da tutela mais adequada para cada tipo específico de conflito, transformando a maneira de enxergar institutos como a arbitragem, a conciliação e a mediação, que, de meios sucedâneos, equivalentes ou meramente alternativos à jurisdição estatal, ascenderam à estatura de instrumentos mais adequados de solução de conflitos. O que vem a ser o precursor do denominado Multidoor Courthouse System (Sistema Multiportas).
Destacamos que Frank Sander, idealizou, no âmbito do Poder Judiciário americano, mecanismos múltiplos de resolução de conflitos por meio de métodos alternativos. Esses poderiam ser aproveitados durante o curso do processo ou mesmo antes do ajuizamento de uma ação judicial. O sistema idealizado tinha como fulcro central oferecer soluções mais congruentes às peculiaridades de cada demanda, de forma mais efetiva, célere e de custeio razoável. O conceito tinha a premissa de que há vantagens e desvantagens em cada caso específico ao usar um ou outro processo de resolução de disputas. O modelo pretendeu aliviar o Poder Judiciário do grande acúmulo de litígios e processos, com base em filtros que pudessem servir para o envio dos processos aos fóruns adequados para sua resolução, de modo que um examinador faria a avaliação inicial do conflito e, após, encaminharia as partes litigantes para o método de resolução de conflito mais adequado. Desde então, formas alternativas de resolução de conflitos têm sido introduzidas no ordenamento jurídico pátrio. No Brasil, inicialmente, com a introdução das Leis n. 9.099/1995, n. 10.259/2001 e n. 12.153/2009, que criaram os Juizados Especiais, Juizados Especiais Federais e os Juizados Especiais da Fazenda Pública. A Resolução CNJ n. 125/2010 institui a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado de conflitos no âmbito do Poder Judiciário.
Do ponto de vista prático, a transação disponível, prevê que o valor mínimo das prestações é de R$25 para MEIs e R$100 para outras categorias.
A iniciativa da PGFN é um passo significativo para ajudar empresários a regularizarem suas situações fiscais, promovendo a saúde financeira dos negócios e estimulando a economia. A dívida tributária, nunca pode ser vista como causa, mas sim como consequência, da elevada carga e de um sistema onde poucos tem tantos e mais privilégio do que os outros, o curioso é que em tempos de reforma tributária, o corporativismos de algumas categorias, tenta manter ou até ampliar benefícios fiscais, se esquecendo que a carga não é neutra, ou seja alguém paga o que você quer deixar de pagar.
Você já aderiu à transação tributária? Tem dúvidas sobre ela? Está preparado para utilizar o maior número possível de benefícios que as diversas modalidades oferecem? Nossa consultoria tem 30 anos de experiência para melhor lhe atender na condução da sua transação.